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sábado, 26 de outubro de 2013

Transexuais: quero ser mulher também no meu RG

Iran Giusti 
12/06/2013

Nascida no corpo de um homem, a modelo carioca Felipa Tavares foi percebendo desde a infância que a sua identidade era feminina. Hoje, aos 26 anos, ela tem a convicção de que é uma mulher, inclusive se veste e se porta como tal. Porém, o seu RG ainda contraria o que ela sente, a identificando como uma pessoa do sexo masculino.

Assim como Felipa, diversas transexuais brasileiras enfrentam o demorado processo jurídico para trocar o nome de batismo pelo outro que elas escolheram. Além representar reconhecimento de uma identidade própria, o documento alterado também evita uma série de constrangimentos dolorosos.

Felipa Tavares ao iG Gente: "Se for só beijinho, 
não falo que sou transexual"

“Mudar o nome tem um peso enorme. Estou cansada de chegar aos lugares e começar a ser desrespeitada no minuto seguinte depois que eu apresento o meu RG. Uma vez no banco, o gerente pegou meu documento, chamou os colegas e começou a dar risada apontando para mim”, desabafa Felipa, relatando apenas um dos inúmeros constrangimentos que já passou.

Mudar o nome tem um peso enorme. Estou cansada de chegar aos lugares e começar a ser desrespeitada no minuto seguinte depois que eu apresento o meu 
RG (Felipe Tavares)

Como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) não contabiliza os transexuais no censo, ainda não há números exatos sobre a porcentagem que eles representam no total da população brasileira. Mas dados do SUS (Sistema Único de Saúde) fornecem uma pista da situação, ao mostrar que são realizadas diariamente no Brasil duas cirurgias de mudança sexo.

Embora tenha esse desejo, Felipa ainda não conseguir fazer a mudança de sexo, mas já entrou na justiça com o pedido para mudar de nome. Mas antes disso, ela precisou passar em nove cartórios do Rio de Janeiro, onde mora, para reunir os documentários necessários para o processo.

A advogada Luisa Helena Stern , 47, já venceu tanto o processo jurídico quanto o médico. “Ter o seu nome no RG é uma grande conquista. Tirar a certidão de nascimento com o nome novo, aquele que te representa, é como nascer de novo, só que desta vez, do jeito certo”, constata Luisa, que vive em Porto Alegre.

Luisa relata que o processo de mudança do RG acelerou quando ela fez a mudança de sexo. “Quando entrei na justiça, eu ainda não havia feito a cirurgia e notei que o juiz protelou ao máximo a alteração no documento para que ambas as coisas acontecessem juntas”, observa a advogada, que realizou as duas modificações no ano passado.

Ela agora aguarda decisão da justiça para que em seu documento  o campo 'sexo' seja alterado de 'masculino' para 'feminino'.

Acompanhando atualmente oito casos de transexuais que querem mudar de nome, o advogado Eduardo Mazzilli conta que a duração do processo jurídico varia muito nas diferentes regiões do Brasil. Em São Paulo, todo o trâmite costuma levar em torno de quatro meses, mas em outro estados, o tempo total pode ser dez vezes maior, chegando a quatro anos.

“Há relatos de casos de transexuais que não conseguiram lidar com o preconceito e se mataram durante o processo da troca de sexo e até do nome”, revela Mazzilli.

Apesar da demora, o advogado diz que juridicamente o processo é simples, o que acaba prolongando o tempo é a quantidade de documentos exigidos. “É necessário apresentar desde RG e CPF até documentos relativos a ações penais, assim como o documento de alistamento militar. Algo que muitas delas não têm porque não tiveram coragem de se alistar”, aponta Mazzilli.

Ter o seu nome no RG é uma grande conquista. Tirar a certidão de nascimento com o nome novo, aquele que te representa, é como nascer de novo, só que desta vez, do jeito certo (Luisa Helena Stern)

“Para mudar o RG, é preciso demonstrar para o juiz que a transexual usa o nome feminino no dia a dia. Isso pode ser comprovado com perfis em redes sociais e até documentos que comprovam a participação em palestras”, exemplifica o advogado. “A mudança de sexo é mais complicada, exige laudos médicos e a realização da cirurgia em si, que já é muito difícil” completa.

Numa tentativa de encurtar o tempo da burocracia, a Centro de Referencia em Direitos Humanos do Pará criou a Carteira de Nome Social, também conhecido como Carteira Trans, documento para transexuais e travestis que é válido em todo o estado, nos ambientes estatais e privados. Não é necessário de medida judicial para requerê-lo, basta apenas que a (o) interessada (o) compareça ao órgão paraense.

“Este documento foi desenvolvido no Rio Grande do Sul, vimos o projeto e aprimoramos. Lá, ele deve ser apresentado junto ao RG, o que acaba não ajudando muito. No Pará, conseguimos contemplar todos os dados como RG e CPF, permitindo a identificação civil sem ferir a identificação social, que é como a pessoa se percebe”, avalia Bruna Lorrane de Andrade , 25, transexual que coordena o centro de referência.

Além de preencher a lacuna dos poderes judiciário e legislativo em relação aos direitos dos transexuais, o documento paraense pretende reduzir problemas causados por esse não reconhecimento da identidade, como é o caso das trans que abandonam os estudos por conta dos constrangimentos sofridos na escola.

“Esperamos que isso acabe com o estigma de que o transgênero é marginalizado, que vive sempre de prostituição”, conclui Bruna.


Disponível em http://igay.ig.com.br/2013-06-12/transexuais-quero-ser-mulher-tambem-no-meu-rg.html. Acesso em 14 out 2013.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Renata Bastos: “é muito difícil homem assumir relação com travesti”

Iran Giusti
26/09/2013

Quem circula nas baladas mais disputadas da noite paulistana já se deparou com a sua figura imponente nas portas das casas noturnas. Com 1,77m – turbinados, invariavelmente, por um bom salto - a transgênero Renata Bastos exerce com rigor o poder de decidir quem entra ou não nesses lugares. Aliás, ela nem se incomoda com a fama de antipática que a profissão hostess costuma levar.

"Quando sou boa, sou ótima. Quando sou má, sou melhor ainda”, brinca Renata, usando a famosa frase da atriz Mae West para responder a pergunta sobre como lida com os clientes inconvenientes, adeptos da famosa ‘carteirada’.

Mas é preciso entender que a aspereza e a antipatia fazem parte do personagem que Renata encarna no trabalho, mas não da sua vida fora dele. A paulistana da Vila Madalena, de 31 anos, conta sua intensa história para a reportagem do iGay com fala pausada, gestos delicados e um jeito doce.

Aos 14 anos, ela decidiu que já era hora de trocar as roupas de menino pelas de menina. E, sem medo, usou peças femininas num passeio pela Avenida Paulista. Mas a percepção de que era uma garota no corpo de um garoto veio muito antes do que isso.

“Com seis anos, percebi que gostava de um menino, mas uma amiguinha me falou que era errado. Aos nove anos, me apaixonei novamente e dessa vez escrevi uma cartinha pra ele que não entreguei, mas minha mãe achou. Falei que não era minha porque ela reagiu mal”, conta Renata. “Foi só aos 13 anos, quando a minha mãe faleceu, que eu consegui me libertar e me assumir”, acrescenta a hostess, com franqueza.

O medo da minha família não era eu ser uma travesti, era a marginalização do mundo, a prostituição, a violência

Mesmo tendo crescido numa família com tios de cabeça aberta e envolvidos no universo da moda, Renata enfrentou preconceito dentro de casa por se travestir. “O medo da minha família não era eu ser uma travesti, era a marginalização do mundo, a prostituição, a violência”, explica ela.

A situação mudou quando ela começou a se envolver com o universo da moda, trabalhando como modelo, aos 15 anos. “Os jornalistas André Fischer e Erika Palomino me chamaram para trabalhos, me mostraram que a estética andrógina era uma boa para mim. Com bons amigos, meu pai ficou mais tranquilo, entendeu que eu era uma mulher, ele me viu como Renata”.

É uma situação louca. Porque o mesmo menino que me chamava de veado na escola, pedia para ficar comigo a noite, queria sexo oral

Me chama de veado, mas quer sair comigo

Hoje, a aceitação na família é melhor e a relação com o pai é de amizade e cumplicidade. Mas no terreno do amor, Renata ainda não se acertou. “É muito difícil um homem assumir uma relação com uma travesti. Eles têm dificuldade de entender a questão do andrógeno. Eu até fiquei mais feminina por conta disso. Porque muitos me falavam: ‘ela é Renata e não tem peito?’”, avalia a paulistana, que tem planos de implantar silicone nos seios, mas não de fazer a cirurgia de mudança de sexo, pelo menos por enquanto.

Renata enfrenta essa relação complicada com os homens desde a adolescência. “É uma situação louca. Porque o mesmo menino que me chamava de veado na escola, pedia para ficar comigo a noite, queria sexo oral”, relata a hostess, que confessa o desejo de formar uma família. “Quero ter casa, filho, cachorro e fazer churrasco no fim de semana. E com isso, acabo forçando a barra em algumas relações, o que me coloca em situações não tão legais”.

Segundo Renata, muitos homens só percebem que ela é transgênero na hora de ir para cama. “Fui para casa com um cara que conheci em uma festa de hip-hop, mas quando ele mexeu na minha calcinha, e percebeu que eu era travesti, saiu logo pegando o celular, carteira e relógio. Ele achou que eu ia roubá-lo”, lamenta ela, questionando em seguida. “O quê vou fazer nesta situação? Me apresentar e dizer: Oi sou a Renata Bastos e sou transexual?”.

Curiosamente, Renata diz que é muito assediada por lésbicas. “Eu acho bom, é um sinal de que deu tudo certo, que estou feminina. Elas sabem que eu sou travesti, mas tem essa curiosidade. É como o Ney Matogrosso , ele mexe com a libido do homem, da mulher, do gay, de todo mundo”, brinca a hostess, dizendo ainda que não se incomoda com os gracejos, pelo contrário. “No dia em que eu passar na obra e não receber uma cantada, eu vou ficar chateada”.

Meu papel de ativista é viver meu dia a dia e mostrar que é possível ser transexual e ter uma vida, uma carreira

Meu ativismo é existir

Além do trabalhar como hostess e modelo, Renata ainda atua com produção moda e, esporadicamente, como atriz. Ela já participou de filmes como “Carandiru” (2003) e “Crime Delicado” (2005).

Diante de todas as atividades, será que sobra espaço para o ativismo no movimento LGBT? Renata responde a pergunta mais uma vez de forma franca: “Meu papel de ativista é viver meu dia a dia e mostrar que é possível ser transexual e ter uma vida, uma carreira”.


Disponível em http://igay.ig.com.br/2013-09-26/renata-bastos-e-muito-dificil-homem-assumir-relacao-com-travesti.html. Acesso em 14 out 2013.

sábado, 19 de outubro de 2013

Sou travesti, venci o preconceito e me tornei uma chefe de cozinha

Iran Giusti
11/09/2013

Há pouco mais de um mês, Kathya Hondjaccoff , 26, recebeu uma promoção no restaurante japonês em que trabalha na cidade de Barretos (SP), o Naka Naka Sushi Bar. A paulista deixou de ser assistente e tornou-se uma chefe de cozinha. Para chegar a esse posto, ela teve que percorrer um caminho árduo, numa trajetória comum a qualquer profissional no meio da gastronomia. A grande diferença é que Kathya enfrentou um desafio a mais: o fato de ser uma travesti numa sociedade e num mercado de trabalho ainda muito preconceituosos.

Nós temos que nos valorizar, não importa que as empresas sejam fechadas. É preciso ser uma boa profissional, batalhar, fazer faculdade para não ter que ir para rua (Kathya Hondjaccoff)

“O começo não foi nada fácil. Perdi a conta de quantas vezes fui rejeitada, de quantos ‘nãos’ ouvi. Mas sou persistente, sempre tive foco no que eu queria para mim”, lembra Kathya, que sempre recusou a ocupação que, muitas vezes, infelizmente, é a única oferecida às travestis, a prostituição.

Kathya defende que as transgêneros mantenham a autoestima, mesmo com os percalços que aparecem no caminho. “A vida na rua é muito sofrida, não tenho nada contra quem se prostitui, mas essa nunca foi uma opção para mim. Nós temos que nos valorizar, não importa que as empresas sejam fechadas. É preciso ser uma boa profissional, batalhar, fazer faculdade para não ter que ir para rua”, argumenta.

O primeiro emprego dela foi como faxineira na Santa Casa de Misericórdia de Barretos, aos 17 anos, pouco tempo depois de ter assumido sua identidade feminina. Em três meses, ela foi promovida ao cargo de auxiliar de cozinha. Foram seis anos no hospital, de onde saiu como gerente do serviço de higiene e conservação.

A carreira na gastronomia começou como um segundo emprego, na intenção de juntar dinheiro para fazer uma cirurgia de implante de silicone. Sócio de um restaurante, um amigo médico a convidou a trabalhar com ele. “Trabalhava das 7h às 17h na Santa Casa e das 18h às 1h no sushi bar”, descreve Kathya.

Com o tempo, o segundo emprego ganhou status de principal e Kathya deixou o hospital para se dedicar ao restaurante, onde acabou se tornando uma chefe de cozinha. Ela diz que o apoio da família foi fundamental em sua trajetória. “Eles me deram força para que eu pudesse lutar com toda a garra”.

Nome de mulher no crachá e no e-mail

Lamentavelmente, a analista de sistemas Luiza Abreu , 34, não pode contar o mesmo suporte familiar quando decidiu assumir sua identidade feminina. “Apenas a minha mãe ficou ao meu lado, todos os outros me abandonaram”, relata.

Após terminar o curso técnico de Análise de Sistemas, quando estava com 22 anos, Luiza decidiu que já hora de se assumir como mulher. E em oposição à rejeição da família, ela encontrou apoio dos colegas de trabalho, numa empresa de tecnologia no Rio de Janeiro.

“Todos reagiram muito bem quando eu passei a trabalhar usando trajes adequados ao meu gênero. Teve apenas um funcionário que se recusou a usar meu nome social”, conta Luiza, ressaltando a importância do apoio das empresas, que precisam adotar a identidade feminina da transgênero em crachás, cartões e endereços de e-mail.

“Juridicamente, um contrato precisa ter o mesmo nome do documento. Mas em um crachá, que é usado apenas como identificação, não tem problema colocar seu nome social. É um gesto simples que faz muita diferença”, explica Luiza, lembrando que o processo para mudar do nome legalmente costuma ser demorado e trabalhoso.

Profissão de mulher

Muito antes de se assumir, a travesti Jussara Meirelles , 34, sonhava em trabalhar com beleza. Quando criança, ela vivia brincando com os cabelos das amigas, imaginando que era cabeleireira. “Apanhei muito da minha mãe por causa disso, ela dizia que essa era uma profissão de mulher”, recorda Jussara, que mesmo assim não desistiu da carreira, nem de adotar a identidade feminina.

“A primeira pessoa que me empregou foi uma mulher, em um salão a de bairro aqui em Natal”, conta Jussara, que tinha então 16 anos. “No início, havia muito preconceito. As mulheres não deixavam que seus maridos fossem sozinhos cortar os cabelos. Mas, com o tempo, fui conquistando meu espaço, mostrando que estava ali para trabalhar, que não era vulgar”, completa a potiguar.

Respeitada e trabalhando hoje num grande centro de beleza em Natal, Jussara ainda quer mais e planeja um futuro como empresária. “Quero ter o meu próprio salão, quero dar a mesma oportunidade que eu tive. Todas as minhas funcionárias serão transexuais”, projeta ela.

Alguns governos municipais e ONGs têm desenvolvido programas para facilitar o acesso dos travestis e transexuais ao mercado formal de trabalho. Desenvolvido pela prefeitura do Rio de Janeiro desde 2003, o projeto Damas se destaca nacionalmente neste sentido.

O Damas promove aulas de direitos civis e cidadania, oficinas de trabalho e orientação vocacional. Além disso, profissionais da medicina fornecem orientação sobre questões de saúde, como o uso correto de hormônios por transgêneros, por exemplo.

Chefe da Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual da prefeitura do Rio de Janeiro, responsável pelo Damas, Carlos Tufvesson aponta um grande empecilho na inserção das travestis no mercado de trabalho. “O preconceito é grande na hora da contratação, lutamos diariamente contra essa realidade. Meu sonho é que as empresas contratem seus funcionários por sua competência e currículo, não pelo sexo”, revela o coordenador.

Com previsão de início para janeiro de 2014, a próxima turma do Damas está recebendo pré-inscrições. A Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual da cidade de São Paulo está desenvolvendo um projeto semelhante, que deve começar a funcionar no ano que vem.


Disponível em http://igay.ig.com.br/2013-09-11/sou-travesti-venci-o-preconceito-e-me-tornei-uma-chefe-de-cozinha.html. Acesso em 14 out 2013.