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sábado, 28 de fevereiro de 2015

Reflexões sobre preconceito: em busca de relações mais humanas

Mônica Mastrantonio Martins
InterAÇÃO, Curitiba, v. 2, p. 9-27, jan./dez. 1998 


RESUMO: Esse estudo estabelece princípios que constituem o preconceito, presente tanto na subjetividade como nas relações sociais. O preconceito é concebido como apropriação distorcida da realidade, através da qual projeta-se em outro ser humano, grupo ou sociedade características não aceitas em si mesmo. O preconceito pode estar presente nas ações, linguagem e atitude dos indivíduos. Nas relações pautadas pelo preconceito, outro ser humano é colocado como mero objeto dessa relação, e não como sujeito ativo das relações sociais e constituição da subjetividade. Existem diversos fatores que propiciam o aparecimento e desenvolvimento do preconceito, por exemplo: relações dogmáticas, sem críticas, sem história e sem reflexão entre indivíduos; não identificação dos seres humanos com a humanidade; falta de igualdade de relações sociais e dificuldade de se lidar com fraquezas e imperfeições que são projetadas nos outros. Em um mundo capitalista, baseado na propriedade privada, na alienação e no narcisismo, o preconceito aliena ambos, o sujeito e o objeto do preconceito, em uma relação estática. Exemplos de preconceitos são tão inúmeros e múltiplos quanto a história da humanidade, e variam desde a barbárie do holocausto até piadas e ditos populares que projetam características negativas em grupos minoritários. Nesse sentido, os indivíduos devem procurar compreender o preconceito e suas relações, em especial o psicólogo, que deve ser capaz de desenvolver tais discussões, refletindo e transformando as relações preconceituosas em relações mais humanas, éticas e igualitárias entre os homens. 

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domingo, 9 de março de 2014

Após três anos de aprovação em exame, advogada transexual consegue registro da OAB

Felipe Martins
26 fevereiro 2014

Três anos depois de aprovada no exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a transexual Giowana Cambrone Araújo, 34 anos, finalmente conseguiu o registro profissional, entregue nesta segunda-feira (24), constando no documento o nome feminino que realmente a identifica. Antes, ela precisou vencer uma batalha judicial, iniciada em 2010, para a troca do nome na identidade civil. Somente após essa mudança, a Ordem autorizou a alteração do nome na carteira do órgão. Finalmente ela se sente entusiasmada a exercer a profissão que escolheu.

Após ser aprovada, em 2011, no exame realizado em Minas, onde nasceu, ela entrou com pedido de uso do nome social na Comissão de Direitos Humanos do órgão no Rio de Janeiro, para onde se mudou no final de 2012, pedindo o uso do nome social enquanto tramitava o processo judicial. No entanto, o pedido foi negado.

“A OAB não levou em consideração o fato de que travestis e transexuais podem ascender e se inscrever nos quadros da ordem. Deu como solução uma alternativa também estigmatizante, ter no documento os dois nomes o civil e o social. Me neguei me inscrever em uma instituição que negava a minha condição e a estigmatizava de tal forma”, contou.

Com o direito do uso exclusivo do nome social indeferido, Giowana se sentiu moralmente impedida de exercer a profissão. “Só faria sentido advogar com o nome que me identifica. Estão aí talvez contidos dois direitos fundamentais para o exercício da vida civil. O primeiro é o nome que te individualiza, que diz que você é e traz consigo outros elementos subjetivos, origem, gênero, etc. O outro é o direito ao trabalho, que dignifica e contribui socialmente. Não faria sentido advogar e não poder ter o meu nome e identidade de gênero reconhecidos para o exercício da minha profissão. O papel do advogado é promover a justiça, e ao aceitar tal condição estaria sendo injusta comigo mesma”.

Durante os últimos três anos ela admite que, em alguns momentos, chegou a pensar em jogar tudo para o alto e desistir, mas contou com o apoio da mãe e do marido, o cientista político Márcio Sales Saraiva, com quem tem um relacionamento há dois anos. “Eles sempre me deram força para continuar batalhando. Foram fundamentais para mim”.

A sentença judicial que garantiu a Giowana o direito de retificar o nome em documentos oficiais saiu em julho do ano passado. Ela fez a alteração em todos os documentos: identidade, CPF, certidão de nascimento e em outubro entrou com novo processo na OAB. “Somente em outubro quando meus documentos foram retificados judicialmente que pude protocolar o pedido que ainda levou quatro meses para ser entregue enquanto o normal são uns 45 dias”, lembrou. A OAB alegou que a demora de quatro meses ocorreu porque a prova foi feita em lugar diferente do estado onde o registro foi pedido.

Quando teve a carteira profissional nas mãos, recebida na sede da OAB-RJ, no cento da cidade, Giowana pôde finalmente comemorar o triunfo em uma longa batalha contra a burocracia e o bom senso. “O sentimento é de vitória, mas também de marcar um território de direitos a serem reconhecidos de travestis e transexuais, de toda uma população que é invisibilizada socialmente e politicamente. E o primeiro dos direitos a serem reconhecidos para essa população é o reconhecimento do nome, que garante acesso aos serviços públicos e a cidadania. Pelo menos de certa forma”, comentou.

Pós-graduada em direito constitucional, a advogada milita em causas sociais defendendo o direito de minorias. Ela presta ainda assistência jurídica na ONG Transrevolução, que como o nome sugere, atua na luta de direitos de transexuais.

“Sou parte de uma população invisibilizada pela sociedade, em que naturalizou-se o trabalho precarizado ou a prostituição como o único meio de vida. Somos vítimas de chacotas de e temos nossos direitos aviltados constantemente. O ideal seria que qualquer pessoa, capaz, consciente de seus atos tenha sua identidade de gênero e nome reconhecidos pelo Estado, e pelas instituições e seus direitos garantidos”.

Giowana espera que a OAB adote postura mais flexível e que, em casos futuros, a retificação do nome na carteira não dependa de decisão judicial. “Acho que deve ser pensado de que forma a OAB pode receber essa população em seus quadros. Um registo na ordem contendo o nome civil e nome social, como foi a alternativa apresentada é estigmatizante, pois indica e atrela a condição de identidade de gênero ao exercício profissional. O OAB, como órgão máximo da advocacia brasileira, e que sempre esteve a frente em várias discussões que consolidaram direitos no Brasil, deve puxar esse assunto de vanguarda na esfera nacional, não somente da aceitabilidade do uso do nome social, mas da possibilidade jurídica de retificação de registo civil de pessoas trans sem necessitar a demanda judicial”.

O presidente da OAB-RJ, Felipe Santa Cruz, ao saber do caso através reportagem do BLOG LGBTpediu desculpas publicamente à advogada. “Foi um erro de comunicação. Esse caso não chegou até a mim, se tivesse chegado com certeza eu deferiria, já que ela tinha a documentação provando que deu entrada no processo de retificação do registro civil. Eu peço desculpas publicamente a ela pelo que aconteceu. A OAB tem um histórico de defesa dos direitos LGBT”, declarou.

No Congresso Nacional, os deputados Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Erika Kokay (PT-SP) apresentaram no ano passado a Lei João W Nery que busca garantir o reconhecimento da identidade de gênero em documentos oficiais independentemente de intervenções cirúrgicas ou tratamentos hormonais e sem a necessidade de intervenções judiciais. Após pressão de ativistas, transexuais ou não, a parada gay de São Paulo, considerada a maior do mundo, adotou a luta da aprovação da lei como tema para o desfile em 2014. João W Nery é escritor e psicólogo. Foi o primeiro transexual brasileiro a fazer a cirurgia de mudança de sexo. É autor do livro Viagem Solitária, Memórias de um Transexual 30 anos depois.


Disponível em http://blogs.odia.ig.com.br/lgbt/2014/02/26/apos-tres-anos-de-aprovacao-em-exame-advogada-transexual-consegue-registro-na-oab/. Acesso em 04 mar 2014.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Sãosimonense muda de sexo e dá exemplo de superação

Regis Martins
 21/12/2013 

Léo Moreira Sá nasceu com o nome de batismo de Lourdes Helena, na cidade de São Simão, onde, pelo menos, até os 7 anos de idade, teve uma infância feliz. Caçula de uma família de nove irmãos, foi criado(a) por uma mãe carinhosa e um pai rigoroso, mas responsável.

“São Simão era e, acredito que seja até hoje, uma cidade pacata e muito quente, e eu vivia de shorts sem camiseta, correndo pelo mato, pelas ruas, brincando com os moleques de bola, de pipa, de pega-pega”, conta.

A então menina Lourdes também passava as férias em Ribeirão Preto, na casa da avó Noêmia, que fazia lindas colchas de crochê, deliciosas compotas de frutas e um licor de jabuticaba fantástico. “Ribeirão era a cidade grande que me fascinava. Preparou-me para conhecer a metrópole dos meus sonhos, São Paulo. Tenho muitas saudades desse tempo”, conta.

Mas, logo em seguida, a pequena Lourdes se deu conta de que a natureza também prega peças. “Meus problemas começaram quando eu tive que ir pra escola de uniforme feminino. Aquela criança feliz se transformou em um infeliz garoto de saias”, lembra.

Traumas

Antes de se mudar de São Simão para São Bernardo do Campo, Lourdes - ou Lou, como era chamada pela família - sofreria abusos que a traumatizariam.

Tempos depois, envolvida com movimentos sociais e trabalhistas no ABC, decidiu estudar ciências sociais na USP. Nesta mesma época conheceu as amigas da banda Mercenárias, uma das mais originais do underground paulistano. Ouviu o grupo no lendário bar Napalm, quando o multi-instrumentista Edgard Scandurra [guitarrista do Ira!] ainda tocava bateria - dali alguns meses o substituiria nas baquetas.

“Aprendi a tocar bateria ouvindo uma fita cassete de um show das Mercenárias com o Edgar. Acho que as minhas dificuldades criaram um estilo esquisito, que, no diálogo com o baixo pesado da Sandra [Coutinho], marcaram o som da banda de forma única”, lembra.

Estrearam no mercado fonográfico em 1985 com “Cadê as Armas” e em 1987 lançaram “Trashland”. Longe das rádios comerciais, a banda acabaria no final da década de 1980.

Foi quando Lou se envolveu na cena clubber paulistana e também com drogas pesadas. Abriu um café e logo em seguida uma casa noturna, Circus, que teve um sucesso fulminante, mas faliu. “Eu já estava cheirando toda a cocaína possível quando conheci a [travesti] Gabi. A partir daí pareciam que as festas não acabavam nunca mais. Durou de 1995 a 2004”, conta.

‘Tive muito tempo para refletir’

Preso em 2004 por tráfico, Lou sairia da cadeia cinco anos depois. “Na prisão tive muito tempo pra refletir sobre o caminho que eu havia tomado. E paradoxalmente foi naquele universo inóspito que eu me senti livre pra assumir a minha transexualidade”, diz.

Quando saiu, entrou em um programa da prefeitura de São Paulo que oferecia um salário mínimo pra pessoas LGTBs se qualificarem. Fez uma oficina de teatro e acabou na companhia Os Satyros. Lá, se tornou técnico de iluminação.

Em seguida, trabalhou nas peças “Hipóteses para o amor e a verdade” e “Cabaret Stravaganza”, que venceu prêmio Shell 2012 de melhor iluminação. Com o dinheiro do prêmio, fez sua primeira mastectomia - cirurgia que retira as glândulas mamárias e dá a formatação do tórax masculino. Léo assumiria o lugar de Lou definitivamente.

Vida de transexual vira peça teatral

A história do sãosimonense ganhou os palcos de São Paulo com a peça “Lou &Leo”, dirigida por Nelson Baskerville e com ele no papel principal.

“A peça nasceu da necessidade de contar minha história, com o objetivo de trazer para o debate público a questão da transexualidade, como dissidência de uma cultura que marginaliza todas as expressões que não se encaixam nas normas de gênero”, afirma o ator/iluminador, que sonha em trazer o espetáculo para a região onde nasceu. “Seria uma emoção estonteante falar sobre a minha história onde tudo começou. Infelizmente, não vou a São Simão ou Ribeirão há mais de 20 anos. A vida em São Paulo é muito intensa”, afirma.


Disponível em http://www.jornalacidade.com.br/lazerecultura/NOT,2,2,911015,Saosimonense+muda+de+sexo+e+da+exemplo+de+superacao.aspx. Acesso em 26 fev 2014.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

O segredo da Islândia, o melhor país para ser mulher

Alejandra Martins
10 de novembro, 2013

"Senti que, com 11 anos, havia me tornado feminista".

Em 24 de outubro de 1975, milhares de mulheres no país nórdico saíram às ruas para chamar a atenção para seus baixos salários e a falta de reconhecimento de seu papel na sociedade.

"Nem minha mãe, nem suas amigas, nem funcionárias do comércio, nem as professoras trabalharam, cozinharam ou cuidaram de seus filhos naquele dia", contou Rudolfsdottir à BBC Mundo, que ficou sozinha em casa com sua irmã menor.

Nada menos do que 90% das mulheres do país se somaram aos protestos e atos públicos naquele dia.

As empresas não tiveram outra alternativa a não ser receber um grande número de crianças que foram levadas ao trabalho por seus pais, já que muitas escolas, fábricas e lojas fecharam.

"Foi um chamado à ação. Muitos sentem que a solidariedade mostrada neste dia abriu caminho para a eleição, cinco anos depois, de Vigdis Finnbogadottir, a primeira presidente eleita democraticamente no mundo", ressaltou Rudolfsdottir, que coordena o programa sobre estudos de gênero da Universidade da ONU na capital islandesa, Reykjavík.

As manifestações de 1975, seguidas de ações semelhantes em 2005 e 2010, mostram a luta por trás das mudanças que explicam porque a Islândia é, pelo quinto ano consecutivo, o país número um em igualdade de gênero, segundo o ranking anual do Fórum Econômico Mundial.

Mas qual é o segredo deste país de pouco mais de 300 mil habitantes, e o que a América Latina pode aprender com o modelo islandês?

Creches baratas

A acadêmica acredita que para encontrar as causas para a menor disparidade de gênero na Islândia é preciso olhar para as ações do movimento das mulheres, marcado pela paralisação de 1975.

"Em suma, o movimento lutou duramente para criar na sociedade as estruturas necessárias para que as mulheres pudessem participar da política e do mercado de trabalho".

Na Islândia, 82,6% das mulheres em idade economicamente ativa trabalham e respondem por 45,5% da força de trabalho. Ao mesmo tempo, elas têm uma das taxas de fertilidade mais altas da Europa, com 2,1 filhos por mulher. Como conseguem?

Uma das chaves é o acesso a creches de baixo custo.

"As creches são administradas pela municipalidade de Reijavík e o preço mensal é muito baixo. Tenho dois filhos, passei 15 anos no Reino Unido e um dos grandes problemas para que as mães voltassem ao trabalho era o preço das creches", aponta.

Outra mudança na lei do país que facilitou a vida das mulheres é a ampliação da licença paternidade.

"No total, o casal tem nove meses de licença", disse à BBC Mundo Thordur Kristinsson, professor de Estudos Sociais em Reikjavík.

"Três meses exclusivos para a mulher, três exclusivos para o pai e outros três que podem ser divididos como o casal desejar", explica.

Para Kristinsson, estas regras têm uma vantagem adicional: "As empresas já não podem ver as mulheres como um fator de risco por causa da maternidade. Os homens também são um fator de risco".

"E, além disso, os chefes também saem de licença paternidade. Se um pai não usufrui de seus três meses em casa, as pessoas estranham, o encaram como irresponsável".

Igualdade total, nem na Islândia

O ranking do Fórum Econômico Mundial combina as pontuações de cada país em diferentes áreas, como empoderamento político, educação e saúde.

Cerca de 70% dos graduados são mulheres, ainda que a proporção seja bem menor em áreas como engenharia. Na política, as mulheres ocupam 405 dos assentos no Parlamento e 50% dos ministérios.

As conquistas do país nórdico nas área de educação e política colocam-no no topo da lista, mas uma das autoras do relatório, Saadia Zahidi, diz que é preciso investir mais na área da saúde.

Para Annadís Rudolfsdottir, ainda há muito por fazer. "A diferença de salários entre homens e mulheres é de cerca de 10% e uma pesquisa recente com três mil mulheres revelou que 24% delas dizem ter sido vítimas de violência sexual ao menos uma vez desde os 16 anos.

Que lição podem tirar os governos da América Latina do exemplo islandês?
"América Latina é a região em que mais países conseguiram fechar as brechas que existem entre homens e mulheres nas áreas de saúde e educação", disse Zahidi.

"Das mulheres em idade universitária, 29% conseguem completar o ensino superior, em comparação com 22% dos homens".

A analista do Fórum Econômico mundial recorda que há muito tempo os países nórdicos reconheceram que que não podem ser competitivos se não aproveitarem todo o talento disponível na sociedade.

As mulheres da América Latina têm a oportunidade de mudar as estruturas necessárias para poder combinar trabalho e criação dos filhos, assim como nos países nórdicos.

Do contrário, os países latino-americanos correm o risco de ficaram estancados em uma situação similar à do Japão, onde as mulheres vão à universidade como os homens, mas não se veem em posição de liderança ", indica.

Para Annadís Rudolfsdottir, além do exemplo da Islândia, é preciso olhar para dentro.

"Eu começaria por perguntar às próprias mulheres de cada país na América Latina que obstáculos concretos estão impedindo sua maior participação no mercado de trabalho".


Disponível em http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/11/131108_islandia_mulher_fl.shtml. Acesso em 05 dez 2013.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

TJ-RS autoriza alteração no nome por sonoridade

Jomar Martins
5 de novembro de 2013

Apesar do princípio da imutabilidade do nome, o juiz pode, em caráter excepcional, autorizar a alteração de registro, desde que não haja violação dos valores protegidos pela ordem legal. 

O entendimento levou a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a aceitar apelação de uma mulher que, no juízo de origem, não conseguiu mudar seu nome de Maria para Mariá.

Em razões de Apelação, a mulher contou que deseja agregar a letra ‘‘h’’ ao seu nome para manter a sonoridade original. Afirmou que foi registrada como Mariá e, afora a Certidão de Nascimento, os documentos a identificam como Maria, sem o acento agudo no último ‘‘a’’. O acento é sempre omitido porque os documentos de hoje são feitos em sistemas eletrônicos, sendo inviável a alteração. Além desse fato, por ter nome comum, alegou que foi cadastrada indevidamente no Serviço de Proteção de Crédito.

O relator do recurso, desembargador Alzir Felippe Schmitz, afirmou no acórdão que a mudança de nome não trará prejuízos a terceiros, razão por que votou pela alteração na forma em que pedia pela autora.

‘‘Ademais, a inclusão da letra ‘h’ no final do nome Maria não trará maiores consequências, uma vez que se limita a evitar que a apelante tenha a sonoridade do nome alterada. Afinal, a presente retificação não se destina a mudar o nome da parte. Ao contrário, pretende a recondução sonora do nome registrado’’, escreveu. O acórdão foi lavrado na sessão de julgamento do dia 31 de outubro.

Para ler o acórdão: http://s.conjur.com.br/dl/tjrs-aceita-apelacao-alterar-nome.pdf 

Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-nov-05/justica-autoriza-acrescimo-diferencial-fonetico-registro-nome. Acesso em 13 nov 2013.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

PR: aluna transexual recorre ao Estado para usar nome feminino na escola

Rafael Moro Martins
12/09/2013

Em Curitiba, uma estudante transexual de 15 anos recorreu à Seed (Secretaria da Educação do Paraná) para poder ser tratada pelo nome social na escola particular em que estuda. Apesar de seu registro civil trazer um nome masculino, a aluna quer ser chamada pelo nome social feminino. A secretaria formou uma comissão para estudar o caso.

Combate à homofobia

A história de V. chegou à Seed pelas mãos da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais). No relato ao órgão público, a estudante afirma que tenta junto com os pais convencer a escola a usar seu nome social há cerca de três meses. "Não nos documentos ou provas ou diploma, somente informalmente, e, se possível, fazer um acordo com os professores de me chamarem de V. na chamada, mesmo que no papel conste meu nome civil".

Apesar disso, prossegue o relato, a escola "não permite e diz que não é possível, pois pode ser acusada de estar me 'incentivando'". Segundo a estudante, o uso do nome masculino a faz sentir vulnerável a reações preconceituosas. "Me sinto vulnerável, já que eles me chamam
pelo meu antigo nome na frente de desconhecidos, causando desconforto. Possivelmente fico vulnerável a sofrer transfobia, já que poucos sabem de minha condição sem eu contar".

"Tivemos uma reunião com o fórum estadual de Educação nessa quarta (11). Formou-se uma comissão a qual serão convidados Ministério Público, Sinepe (Sindicato das Escolas Particulares do Paraná) e sindicatos de professores para debater o caso e criar uma norma clara no Conselho Estadual da Educação para adolescentes", informou Toni Reis, secretário de Educação da ABGLT.

Procurada pela reportagem, a Seed confirmou, via assessoria, que criou a comissão, mas que não poderia interferir no caso por se tratar de escola particular.

"Quando há concordância dos pais, como no caso de V., o nome social deve ser utilizado. Temos um governador que se chama Carlos Alberto (Richa, PSDB), mas todos os chamam de Beto (Richa). É no trato social que deve ser usado o nome", ele comparou.

"Boa vontade"

Nesta quinta (12), a secretária da escola onde estuda V., Suzana Puntel, disse ao UOL que iria encaminhar à Seed alguns documentos. "Eles é que definirão como devemos agir", disse.

"Não fizemos nada de errado. É preciso de uma papelada legal [que defina a adoção do nome social]. Nós aceitamos a opção dela, não vemos nenhum problema. Mas há uma questão legal, burocrática. Se ela está matriculada com o nome de batismo, como vai assinar uma prova com outro nome?", questionou Suzana.

"Queremos resolver o assunto da melhor forma possível", afirmou a secretária.

Em documento com data de 2009 enviado à reportagem pela Seed, lê-se que o Conselho Estadual de Educação aprovou "por unanimidade" parecer que tratou de caso semelhante, mas de aluno maior de 18 anos. "Somos favoráveis à inserção do nome social, além do nome civil, nos documentos internos do estabelecimento de ensino aos alunos travestis e transexuais maiores de 18 anos, que requeiram, por escrito, esta inserção".

Segundo Toni Reis, o único Estado brasileiro que tem regulamentação para o uso do nome social por estudantes menores de idade com aprovação dos pais, atualmente, é o Ceará.


Disponível em http://educacao.uol.com.br/noticias/2013/09/12/pr-aluna-transexual-recorre-ao-estado-para-usar-nome-social-na-escola.htm. Acesso em 16 set 2013.

sábado, 7 de setembro de 2013

Operária chamada de ‘‘sapatona’’ receberá R$ 30 mil

Jomar Martins
1º de outubro de 2012

Representante patronal que dirige expressões jocosas relacionadas a possível orientação sexual da trabalhadora e que dissemina, no âmbito da empresa, tais comentários, deve indenizá-la por lesão à honra e à dignidade. Sob este entendimento, a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul manteve sentença que condenou uma distribuidora de ferros a pagar R$ 30 mil, a título de danos morais, a uma ex-operária, chamada de ‘‘sapatona’’, ‘‘machorra’’ e ‘‘mal-amada’’ pelo gerente.

Na primeira instância, o juiz Luiz Antônio Colussi, titular da 2ª Vara do Trabalho de Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, disse que o empregador não pode se valer do poder econômico para expor os seus trabalhadores a situações humilhantes ou constrangedoras. A relação de emprego, observou na sentença, deve pautar-se pelo respeito mútuo entre empregado e empregador.

Ao analisar a situação fática, o juiz entendeu que houve lesão à honra e à imagem da trabalhadora. ‘‘É do empregador a responsabilidade pelas indenizações por danos morais resultantes de conduta ilícita por ele cometida, ou por suas chefias, contra o empregado. No caso dos autos, a reclamada (empresa) agiu com culpa na modalidade in eligendo (por ter escolhido mal o seu funcionário) e, portanto, deve arcar com sua má escolha e com as ações do seu preposto’’, decretou.

No segundo grau, o relator do recurso de apelação, desembargador Cláudio Antônio Cassou Barbosa, explicou que a indenização por dano moral decorre da lesão sofrida pela pessoa em sua esfera de valores eminentemente ideais, como a dignidade, a honra, a imagem e a intimidade, conforme preceitua o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal.

No caso, pelos depoimentos acostados aos autos, ficou demonstrado o nexo de causalidade entre o dano ao bem jurídico protegido e o comportamento do agente. A responsabilidade civil foi imputada porque configurada a hipótese do artigo 927 do Código Civil: ‘‘Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo’’.

‘‘Portanto, ao contrário da tese da defesa, resta caracterizada a existência de dano à integridade da demandante (empregada), pela situação constrangedora sofrida no meio do ambiente laboral, o que justifica o deferimento de indenização por danos morais’’, concluiu o desembargador-relator. Considerando a gravidade da perseguição perpetrada pelo gerente e a humilhação sofrida pela autora, o relator manteve o quantum indenizatório em R$ 30 mil. O acórdão é do dia 13 de junho. Cabe recurso ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Apelidos e depressão

A autora, que trabalhou como técnica em Segurança do Trabalho, começou a sofrer chacotas por parte do chefe quando se separou do seu esposo. O chefe teria disseminado os qualificativos ‘‘sapatona’’, ‘‘machorra’’ e ‘‘mal-amada’’ no ambiente de trabalho, o que a deixou profundamente desgostosa. Além dos comentários desabonadores, ainda teve de conviver com o apelido de ‘‘playmobil’’, numa alusão fantasiosa ao seu uniforme de trabalho: botina, macacão amarelo e rádio de comunicação na cintura.

Num determinado dia, estressada com os deboches, foi acometida de mal súbito no ambiente de trabalho. Após o atendimento médico, teve diagnosticado um quadro de estresse. Quando retornou às atividades, os deboches continuaram. A gota d’água aconteceu durante a reunião para tratar da conduta do gerente que a perseguia. O gerente financeiro da empresa em São Paulo teria lhe perguntado na ocasião: ‘‘Tá, mas tu és ou não sapatona?’’. Poucos dias depois, acometida de depressão, pediu demissão do emprego e ‘‘trancou’’ a faculdade, já que não sentia mais ânimo.

A sentença: http://s.conjur.com.br/dl/sentenca-condena-empresa-indenizar.pdf
O acórdão: http://s.conjur.com.br/dl/acordao-trt-rs-manda-empresa-indenizar1.pdf


Disponível em http://www.conjur.com.br/2012-out-01/operaria-chamada-sapatona-gerente-indenizada-30-mil. Acesso em 07 set 2013.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

TJ-RS condena jornal a indenizar policial por erro

Jomar Martins
30 de julho de 2012

A RBS Editora Jornalística deve pagar R$ 10 mil de indenização a um inspetor da Polícia Civil por tê-lo confundido com um travesti, na edição do jornal Zero Hora do dia 2 de janeiro de 2009. O Recurso Especial do jornal, enviado à 3ª Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, diante do desacolhimento dos Embargos de Declaração pela 9ª Câmara Cível de Direito Privado, foi negado pelo desembargador André Luiz Planella Villarinho.

Ele afirmou que se o juiz já encontrou motivo suficiente para fundamentar a decisão, ele não está obrigado a responder a todas as alegações, nem a se ater aos fundamentos indicados pelas partes — tampouco a responder um a um a todos os seus argumentos. ‘‘A Câmara julgadora apreciou as questões deduzidas, decidindo de forma clara e conforme sua convicção, com base nos elementos de prova que entendeu pertinentes. No entanto, se a decisão não correspondeu à expectativa da parte, não deve por isso ser imputado vício ao julgado’’, considerou.

Com relação ao valor arbitrado para a reparação do moral, o terceiro vice-presidente do TJ gaúcho disse que o quantum está sujeito ao prudente arbítrio judicial, pois ‘‘inexiste tarifação de indenização por dano moral com piso e teto’’. E só admite revisão em casos excepcionais, de patente absurdo, quando se extrapole inteiramente do razoável, seja para mais ou para menos, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça. ‘‘E tal não é a hipótese dos autos’’, fulminou.

Como o recurso principal, interposto pela RBS, não teve sequência, o desembargador deixou de reconhecer o Recurso Especial adesivo do policial, como preceitua o artigo 500, inciso III, do Código de Processo Civil. Ele queria o aumento do valor da indenização. O indeferimento de ambos os Recursos Especiais aconteceu no dia 12 de abril.

O caso

O inspetor de policia Sylvio Edmundo dos Santos Júnior estava de plantão na noite do dia 31 de dezembro de 2008, quando saiu para atender uma ocorrência de homicídio na Avenida dos Estados, na zona norte de Porto Alegre. O delito fora cometido contra um travesti. Ao lavrar a ocorrência policial, disse que figurou como ‘‘comunicante’’ e que o campo ‘‘vítima’’ constou como ‘‘ignorado’’, já que não foi prontamente identificado. Durante a ocorrência, negou ter contatado com a imprensa.

No dia posterior, 2 de janeiro, ao folhear o jornal Zero Hora, surpreendeu-se ao ler a notícia sobre o homicídio. Disse que o jornal citou seu nome como sendo a vítima do crime. A nota da página 38 diz, ipsis literis: ‘‘Porto Alegre – O corpo de um travesti identificado como Sylvio Edmundo dos Santos Júnior, 42 anos, foi encontrado na Avenida dos Estados, próximo ao Aeroporto Salgado Filho, às 2h de quarta-feira. A vítima apresentava marcas de pauladas na cabeça e perfurações no corpo. Na mão direita foi encontrado um punhado de cabelo loiro. 

Um taxista avisou aos policiais que viu três jovens, um deles com um boné e uma mochila, saindo correndo das proximidades do local da morte’’. O site Clic RBS e o jornal Diário Gaúcho, ambos ligados ao Grupo RBS, também noticiaram o fato desta forma.

Em função do ocorrido, o policial afirmou ter experimentado inúmeros prejuízos de ordem moral, além do abalo psicológico – devidamente comprovado por atestados. Por isso, ajuizou uma Ação de Indenização por danos morais contra a empresa que edita ZH — RBS Editora Jornalística — na 3ª Vara Cível do Foro Central da Capital. Além da reparação financeira, pediu que o jornal se retratasse do erro.

A empresa apresentou defesa. Admitiu como equívoco a publicação do nome do autor na condição de vítima do homicídio. Entretanto, sublinhou que tal equívoco não é o suficiente para ensejar sua responsabilização civil e, em decorrência, indenizá-lo por danos morais. Isso porque a nota jornalística não teve o condão de desencadear transtornos mentais e comportamentais no autor. Logo, sem ato ilícito, não se pode falar em indenização.

Dever de indenizar

No dia 21 de dezembro de 2009, a 3ª Vara Cível julgou parcialmente procedente a demanda, por entender que ficou comprovado o uso irregular e descuidado do nome do autor. A juíza de Direito Jane Maria Köhler Vidal frisou que, embora não se tenha certeza de que ele tenha apresentado anteriormente problemas psiquiátricos, o fato é que a divulgação incorreta da notícia veio a agravar sua situação. Segundo ela, o dano é presumido — decorre do próprio fato, não necessitando da produção de provas para sua verificação.

A juíza de primeiro grau arbitrou a indenização por danos morais em R$ 10 mil. Negou, entretanto, a veiculação de retratação da notícia, tendo de vista o decurso de prazo entre a ocorrência do fato e a data da sentença — praticamente um ano. ‘‘Ademais, a Lei de Imprensa foi considerada, há pouco tempo, inconstitucional pelo STF, não mais podendo produzir efeitos no ordenamento jurídico pátrio’’, encerrou.

Inconformadas com o teor da sentença, as partes apelaram ao Tribunal de Justiça. A RBS afirmou que o fato não justifica o elevado valor da indenização, tendo em vista os limites da proporcionalidade e da razoabilidade. Alegou que sequer estariam presentes os requisitos necessários ao reconhecimento do dever de indenizar, dado o caráter informativo da nota jornalística.

O inspetor de polícia, em recurso adesivo, pleiteou o aumento do valor da indenização, por considerá-lo insuficiente face aos danos suportados, além da retratação. Disse ter recebido diversos telefonemas, tanto de pessoas preocupadas com seu estado de saúde quanto de outras, que caçoaram da notícia publicada. A repercussão do fato também colocou em cheque sua conduta. Afinal, é inspetor lotado na Delegacia de Homicídios e Desaparecidos, com 15 anos de carreira, reconhecido pelos seus diversos cursos de formação — inclusive, no exterior.

Em julgamento no dia 30 de agosto de 2011, a 9ª Câmara Cível, por unanimidade, negou provimento a ambos os recursos. O relator do processo, juiz convocado Roberto Carvalho Fraga, afirmou que foram preenchidos os requisitos necessários ao reconhecimento do dever de indenizar: a conduta ilícita, o nexo causal e o dano — conforme previsto no artigo 927 do Código Civil.

Quanto ao valor da indenização, frisou que a questão é altamente subjetiva, pela ausência de critérios rígidos para seu arbitramento. Entretanto, reconheceu, a doutrina e a jurisprudência têm construído paradigmas materiais pautados pelo equilíbrio. ‘‘Ausente um critério matemático ou uma tabela para a recompensa do dano sofrido, mas presente que a paga deve representar para a vítima uma satisfação, capaz de amenizar ou suavizar o mal sofrido. 

E, de outro lado, significar, para o ofensor, um efeito pedagógico no sentido de inibir reiteração de fatos como esse no futuro’’, emendou o julgador, mantendo o valor de R$ 10 mil decidido na primeira instância.

Em 30 de novembro de 2011, em novo lance processual, o juiz convocado relatou os Embargos de Declaração interpostos pelo grupo de comunicação — que alegou omissão e requereu o prequestionamento da matéria. Roberto Carvalho Fraga, no entanto, não acolheu o recurso, por entender que a empresa condenada pretendia, na verdade, reanalisar a matéria — o que não é possível nesta via.

Para Fraga, os Embargos de Declaração, para obterem sucesso, devem se restringir às hipóteses previstas no artigo 535 do Código de Processo Civil (CPC), sendo imprescindível demonstrar os vícios ali enumerados. Nesse sentido, a omissão restará determinada somente nos casos em que deficitário o exame da matéria de fato, assim compreendida a ausência de exame de questões importantes e que conduzam a julgamento divergente sobre a base fática sobre o que se está julgando. ‘‘Ou seja, não há omissão se o julgador não considerou todos os fundamentos da irresignação da parte, porquanto afastados pela motivação da decisão e, muito menos, que não tenha o acórdão registrado as normas legais que o embargante gostaria de ver traduzidas’’, completou o julgador.

Também desacolheram os Embargos os demais integrantes da 9ª Câmara Cível presentes à sessão de julgamento, desembargadores Leonel Pires Ohlweiler e Marilene Bonzanini.

Decisão sobre o Recurso Especial: http://s.conjur.com.br/dl/recursos-especiais-interpostos-policial.pdf
Sentença da 3ª Vara Cível: http://s.conjur.com.br/dl/sentenca-3a-vara-civel-condena-rbs.pdf
Decisão que negou as Apelações: http://s.conjur.com.br/dl/9a-camara-civel-tj-rs-indefere.pdf
Decisão sobre os Embargos de Declaração: http://s.conjur.com.br/dl/tribunal-justica-rs-rejeita-embargos.pdf

Disponível em http://www.conjur.com.br/2012-jul-30/policial-confundido-travesti-indenizado-jornal-zero-hora. Acesso em 25 jul 2013.

domingo, 21 de julho de 2013

TJ-RS reconhece direito a bens em união homoafetiva

Jomar Martins
9 de abril de 2012

Se há prova robusta de que o relacionamento entre duas mulheres era visto como união estável, nos moldes do artigo 1.723 do Código Civil, e que ambas concorreram para a formação do patrimônio, não há por que negar a uma delas o direito sucessório, em caso de morte da companheira. Com este entendimento, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu provimento à apelação de uma mulher em litígio com a mãe da companheira que morreu. A segunda instância reformou a sentença que não reconheceu a união estável. A primeira instância entendeu que a relação era apenas de ‘‘parceria civil’’ — o que não geraria direito aos bens deixados de herança.

Respaldados pelo posicionamento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Adin nº 4.277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132, em 5 de maio de 2011, os desembargadores foram unânimes em declarar a existência de união estável homoafetiva entre ambas, com os respectivos desdobramentos legais. Para as regras que tutelam o direito sucessório entre companheiros, foi aplicado o artigo 1.790, inciso III, do Código de Processo Civil. A decisão é do dia 22 de março.

O caso é originário da Comarca de Porto Alegre e tramita sob segredo de justiça. Conforme o acórdão, L.S.C. e R. de. O. viveram juntas entre julho de 1983 e fevereiro de 2008, quando a segunda morreu. A primeira teve de ir à Justiça na Justiça para pedir os direitos de sucessão sobre o imóvel em que habitava conjuntamente com ela. A ação pedia reconhecimento e dissolução de união estável, cumulada com petição de herança, movida contra o espólio de R. de O., representada pela mãe.

O juiz de Direito Marco Aurélio Martins Xavier, ao proferir a sentença, entendeu que relação era de parceria civil. Em consequência, declarou como propriedade de L.S.C. a fração ideal de 50% do imóvel que lhes servia de moradia. Para ele, a partilha deve respeitar esta proporção, inclusive no que toca às duas construções efetivadas sobre o terreno.

Inconformada com a decisão, L.S.C. interpôs Apelação no Tribunal de Justiça. Afirmou que a legislação não proíbe a união homoafetiva e que cabe ao julgador, diante da lacuna da lei, fixar os efeitos jurídicos decorrentes. Alegou que a sentença feriu o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, que dispõe sobre o princípio da dignidade humana. Mencionou também o artigo 226, parágrafo 3º, da Carta Magna, que reconhece a união estável entre homem e mulher como entidade familiar. Disse que tal artigo deve ser aplicado às uniões homoafetivas constituídas com o intuito de família, pois o Direito tem de acompanhar a evolução da própria sociedade.

Por fim, garantiu ter sido plenamente demonstrado que a união havida com R. de O. foi pública, contínua, duradoura e com o intuito de constituir família, somente cessando em razão da morte. A procuradora de Justiça com assento na 8ª; Câmara Cível, Noara Bernardy Lisboa, opinou pelo provimento da ação.

O desembargador Ricardo Moreira Lins Pastl, que relatou a matéria no colegiado, acatou a apelação. Registrou que o Pleno do STF, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132, reconheceu a proteção jurídica da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Com a decisão, o artigo 1.723 do Código Civil passou a ser interpretado conforme a mudança constitucional. Logo, foi excluído do dispositivo legal qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Em suma, este reconhecimento deve ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.

Segundo o relator, a decisão do STF superou a compreensão da sentença, de que era juridicamente impossível a união estável entre duas pessoas do mesmo sexo, tese que ainda vigorava na corte. ‘‘Deste modo, e considerando que, na espécie, o conjunto probatório constante dos autos é robusto no sentido da presença dos elementos caracterizadores de um relacionamento estável, nos moldes do artigo 1.723 do Código Civil (...), não há dúvida de que deve ser emprestado à aludida relação tratamento equivalente ao que a lei confere à união estável havida entre homem e mulher, inclusive no que se refere aos direitos sucessórios’’, destacou.

Ao finalizar o voto, o relator, citando o parecer da procuradora de Justiça, disse que a questão sucessória entre companheiros deve considerar o aplicado no artigo 1.790, inciso III, do Código de Processo Civil.

Os desembargadores Rui Portanova (presidente do colegiado) e Luiz Felipe Brasil Santos votaram no mesmo sentido do relator.

Acórdão: http://s.conjur.com.br/dl/acordao-tj-rs-reconhece-uniao-estavel.pdf


Disponível em http://www.conjur.com.br/2012-abr-09/tj-rs-reconhece-direitos-sucessorios-uniao-estavel-duas-mulheres. Acesso em 09 jul 2013.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Por que os homens procuram travestis?

Ivan Martins
20/05/2008

Mendes tem 37 anos, cabeça raspada e brinco na orelha direita. Pelos modos e pela aparência, o rapaz branco de família evangélica não se distingue de outros milhões de jovens paulistanos, exceto por uma particularidade importante: ele namora um travesti, Flávia. Os dois se conheceram há cinco anos no centro de São Paulo e, de lá para cá, constituem um casal. Na semana passada, sentado ao lado de Flávia na sala de um apartamento na Rua General Osório, Mendes explicava, em voz pausada, as bases da relação. “Nosso relacionamento é hétero”, afirma. Isso quer dizer que, no sexo, ele é a parte viril do casal, enquanto Flávia cumpre o papel de mulher. “Mas entre nós não existe só sexo. A gente tem amor e cuida um do outro.” Com cabelos negros e corpo esguio, Flávia ganha a vida se prostituindo nas ruas. Ele trabalha nas ruas como vendedor.

As palavras de Mendes revelam, sem explicar, um dos grandes mistérios da sexualidade moderna: a sedução exercida pelos travestis. Desde meados dos anos 70, quando despontaram nas esquinas das metrópoles brasileiras com saias minúsculas e seios exuberantes, essas criaturas híbridas conquistaram um espaço enorme no imaginário sexual do país. Todos os dias, milhares de homens se esgueiram por avenidas sombrias para comprar o prazer oferecido por seus corpos alterados. O risco envolvido nesse tipo de operação ficou claro há duas semanas, quando Ronaldo Nazário, o jogador de futebol mais famoso do mundo, transformou-se no protagonista de um escândalo que tinha como coadjuvantes três travestis do Rio de Janeiro. Ele foi com o grupo ao hotel Papillon e, durante a madrugada, desentendeu-se com um deles, Andréia Albertini. Acabaram todos na delegacia, de onde a história ganhou o mundo. A avalanche moral que desabou sobre Ronaldo a partir daí foi incapaz de responder à questão mais simples colocada pelo episódio: por que homens adultos e mesmo famosos arriscam segurança e reputação e vão atrás de travestis?

O antropólogo americano Don Kulick passou um ano vivendo com travestis em Salvador, sabe muito de seu cotidiano e mesmo de suas preferências íntimas. Mas não se arrisca a explicar quem são seus clientes. “Essa é uma grande incógnita. Embora acompanhasse os travestis todas as noites, não consegui distinguir um cliente típico”, diz. O livro de Kulick, professor da Universidade Nova York, sairá em português no fim deste mês, pela editora Fiocruz, com o títuloTravestis: Prostituição, Sexo, Gênero e Cultura no Brasil. Kulick conseguiu uma descrição razoavelmente rigorosa do que os fregueses exigem dos travestis. Durante um mês, pediu a cinco deles que registrassem o tipo de serviço prestado nas ruas. O resultado de 138 programas: em 52% dos casos os clientes queriam sodomizar, em 19% exigiam sexo oral, 18% queriam fazer aquilo que se costuma chamar de “troca-troca”, 9% pagaram para ser sodomizados e 2% para ser masturbados. “Não é insignificante que 27% dos homens nessa amostragem quisessem ser penetrados por travestis”, escreve s Kulick. “Mas esses homens não são maioria, como os travestis geralmente afirmam.”

‘‘Não é irrelevante que 27% dos homens da amostragem quisessem ser penetrados pelos travestis’’ 
DON KULICK, antropólogo americano

A confiar apenas no que dizem os travestis, o porcentual de seus clientes que se portam como homossexual passivo é alto. “Nove em cada dez homens querem ser penetrados”, diz Flávia, a namorada de Mendes. “Se o travesti não for bem-dotado e ativo, não ganha a vida na rua.” Exagero? Talvez. Assim como as prostitutas, os travestis têm uma relação antagônica com aqueles que pagam para usar seu corpo. Muitos não suportam exercer o papel viril que se exige deles na prostituição e o fazem com grande sofrimento, porque não encontram outra forma de ganhar a vida. Vingam-se dessa situação degradante com a mesma arma que a sociedade usa para humilhá-los: questionam a hombridade do freguês e o ridicularizam.

O psiquiatra Sérgio Almeida trabalha com travestis em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, e sua experiência corrobora em alguma medida a versão de Flávia. Cabe a Almeida a tarefa difícil de distinguir entre os travestis – definidos como homens que gostam de agir e sentir como mulher – e os transexuais, que se sentem mulheres aprisionadas em corpo masculino. Para estes, recomenda-se a cirurgia de troca de sexo. Para os travestis, ela equivale a uma mutilação e pode levar ao suicídio. Almeida gasta dois anos com cada paciente até decidir em que categoria ele se encaixa. “Desde 1997, fizemos 95 cirurgias e não tivemos nenhum problema”, afirma. O pós-operatório mostrou ao psiquiatra que ex-travestis são freqüentemente abandonados por seus parceiros quando perdem a anatomia masculina. E que os operados que insistem em continuar na prostituição perdem também a carteira de clientes. Algo de crucial desapareceu na cirurgia. “Não é verdade que os homens procuram travestis porque estes se parecem mulheres”, diz ele. “Eles querem o algo mais que as mulheres não têm.”

Os próprios envolvidos têm opiniões diferentes. Um leitor anônimo de epoca.com.br enviou depoimento no qual afirma, basicamente, que os travestis são a melhor opção sexoeconômica. Diz ele: “Já saí com vários travestis. O que me atraiu foi justamente o desejo físico pelos bumbuns e seios avantajados. Ficar com uma travesti para mim é conseguir a baixo preço uma mulher de porte e formas que eu jamais conseguiria pagar ou namorar”. Márcia, travesti paulista cuja foto abre esta reportagem, repele qualquer tentativa de analisar os homens com quem sai voluntariamente. “Para mim, homens que saem com travestis são heterossexuais de cabeça aberta, que topam qualquer coisa”, afirma. Advogado, casado, pai de uma moça, diz que tem impulsos de vestir-se e agir como mulher desde criança, mas que isso nunca o impediu de ter relações normais com mulheres: “Quando saio com um homem, ele não importa. O que me interessa é reforçar minha identidade de mulher”.

O mistério em torno dos homens que procuram travestis é proporcional à ignorância que cerca os próprios travestis. Como grupo populacional, eles são escarçamente estudados: não se tem a menor idéia de quantos sejam, no mundo ou no Brasil. Os líderes das organizações de travestis estimam que haja 5 mil ou 6 mil deles no Rio de Janeiro e uma quantidade muito maior – fala-se em 30 mil – em São Paulo. Nenhuma ciência ampara essas estimativas. Sabe-se que há travestis de Porto Alegre a Manaus, inclusive em cidades pequenas. Tem-se a impressão, entre os que lidam com o assunto, que o Brasil é o líder mundial nessa categoria – e o principal exportador para os países europeus, sobretudo Itália e Espanha. “O Brasil tem a maior população mundial de travestis e o maior número de travestis per capita”, afirma Kulick. Trata-se de uma opinião bem informada, mas é apenas opinião. Líderes de organizações de travestis como Keila Simpson, presidente da Articulação Nacional de Travestis e Transexuais, querem que o censo inclua perguntas que permitam quantificar os diferentes grupos sexuais do país. “Como se pode dirigir políticas públicas a uma população de tamanho ignorado?”, diz.

A palavra-chave quando se trata de explicar a atração exercida pelos travestis parece ser ambigüidade. Eles são percebidos simultaneamente como homem e mulher, uma incongruência que mexe com as profundezas da psique humana. “O travesti mobiliza o desejo como mobiliza a repulsa”, afirma a psicanalista carioca Regina Navarro Lins. Outra psicanalista, Maria Rita Kehl, vê duas razões no fascínio pelos travestis. A primeira é que, por ser uma mulher com pênis, ele captura os restos das fantasias sexuais infantis. A outra está no fato de os travestis encarnarem a feminilidade de uma forma absoluta, que nenhuma mulher contemporânea aceitaria. “Só um travesti saberia ser tão feminino quanto quer a fantasia de alguns homens”, diz Maria Rita. “Se alguém sabe o que é ‘ser mulher de verdade’ (uma ficção masculina), é justamente o travesti.” Os próprios travestis são taxativos ao afirmar que seus fregueses procuram neles a diferença: a mulher com falo, a fantasia, o risco. “Transgressão é essencial. O proibido atrai”, afirma Marjorie, travesti com 20 anos de experiência nas ruas, que hoje trabalha na Secretaria de Assistência Social da Prefeitura do Rio de Janeiro. “As coisas que se dizem sobre os homens que saem com travestis são lendas machistas.”

Paira sobre essa discussão uma palavra que os psicanalistas detestam: patologia. Sim, as pessoas têm o direito inalienável de manter relações sexuais com quem quiserem, desde que haja consentimento mútuo. Posto isso, cabe a pergunta: está bem de cabeça um homem casado (como parece ser a maior parte dos clientes dos travestis) que abre a porta de seu carro na porta do Jockey Club, em São Paulo, e paga R$ 40 por uma hora de sexo com um homem que parece ser mulher? Os especialistas não têm uma resposta unânime a isso.

“Só um travesti saberia ser tão feminino quanto quer a fantasia de alguns homens”, diz uma psicanalista

Liberais dizem que, bolas, desejo é desejo, e não se pode explicar ou reprimir. Há que aceitar. “Entendo que os homens que só se realizam sexualmente com travestis possam estar mal resolvidos em sua orientação sexual”, diz Maria Rita Kehl. “Mas considerar que todos os que gostam de travestis são homossexuais acovardados é uma redução preconceituosa.” Na outra ponta, fala-se em sofrimento e confusão por trás dessa forma específica de prazer. “Para alguns homens é patológico”, afirma o psicanalista Oswaldo Rodrigues, do Instituto Paulista de Sexualidade. “Muitos fazem isso num impulso de autodestruição.”

Há os incapazes de lidar com seu próprio desejo por outros homens. Há os que buscam cumprir seu “papel social” no corpo feminilizado dos travestis. Há de tudo, e nem tudo é a festa do desejo que a modernidade implicitamente recomenda. Onde está o limite? Na dor. De acordo com o psiquiatra Ronaldo Pamplona da Costa, com mais de 30 anos de experiência terapêutica, muitos homens que saem com travestis o procuram em estado de sofrimento. Eis o que diz a respeito a psiquiatra Carmita Helena Abdo, que coordena o Projeto de Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo: “Se as pessoas fazem sexo responsável, não estão sofrendo e não me procuram, não quero normatizar a vida de ninguém”.

Disponível em <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI4421-15228,00-POR+QUE+HOMENS+PROCURAM+TRAVESTIS.html>. Acesso em 23 set 2012.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Transexual responde como mulher no civil e no penal

Geiza Martins
sábado, dia 26 junho de 2010

Em uma decisão inédita, em outubro de 2009, o Superior Tribunal de Justiça autorizou a mudança do nome e gênero na certidão de nascimento de um transexual sem que conste anotação no registro. O autor fez uma cirurgia de mudança de sexo. A relatora, ministra Nancy Andrighi, determinou que a alteração conste apenas nos livros cartorários. Oito meses depois, as instâncias inferiores aderiram ao entendimento da Corte Superior. A tese, porém, gera questionamentos sobre como essas pessoas responderão às regras da sociedade no futuro.

As dúvidas não são poucas: O transexual vai responder na Justiça como uma mulher? Se for condenada, vai para uma prisão feminina? Num casamento, responderá como mulher de fato? Em caso de separação, terá os mesmo direitos que uma mulher?

Para a advogada Gladys Maluf Chamma, a resposta é sim para todas as perguntas. “Deve se ter em mente que o transexual, com a averbação de seu registro de nascimento e a aposição do estado feminino para o seu nome, está, em verdade, consolidando como de direito uma situação que era de fato, através do reconhecimento judicial”, informou. De acordo com Gladys, a alteração do primeiro nome e gênero apenas legaliza uma situação preexistente: “O transexual, a partir de então, não está mulher, ele é mulher”.

A advogada explica que, num casamento, o transexual responde como mulher de fato e tem os mesmos direitos no momento da separação, como pensão alimentícia e guarda de filhos. “Se casou ou viveu em união estável na condição de mulher, porque assim se constituía a sua psique e tal condição sócio-psicológica foi devidamente avaliada e reconhecida judicialmente, ele é, em verdade, uma mulher, com os mesmos direitos e deveres”, afirma.

O mesmo vale para violência doméstica. Se agredido pelo marido, o transexual poderá recorrer a Delegacia da Mulher e aplicar a Lei Maria da Penha se quiser acusar o agressor. A Maria da Penha dispõe sobre regras para coibir a violência familiar contra a mulher. Ainda no ambiente penal, passando de vítima para acusado, caso o transexual cometa algum crime e seja condenado, será encaminhado para um presídio feminino. "É aí que a alteração sob sigilo atua como um manto protetor à privacidade do transexual, retirando de seus ombros o preconceito que o impediu de levar uma vida comum até então", comenta.

A advogada Maria Berenice Dias chama a atenção para outra situação: o sexo social, ou seja, a identidade que a pessoa assume perante a sociedade. A especialista em Direito de Família e ex-desembargadora do Tribunal de Justiça gaúcho revela que mesmo os transexuais que não fizeram cirurgia ou trocaram o nome no registro estão sendo encaminhados para presídios femininos. “Já tem até portaria determinando que as pessoas sejam identificadas pelo seu sexo social”, revela. 

No ano passado, jornais estrangeiros destacaram a história de um transexual do Reino Unido, que venceu uma batalha na Justiça para ser transferido para uma prisão feminina. Ele foi condenado à pena de morte por homicídio culposo e tentativa de estupro. O juiz David Elvin derrubou a decisão do secretário de Justiça Jack Straw determinando que o preso de 27 anos permanecesse na ala masculina. Para o juiz, a recusa de transferência era uma violação aos direitos humanos. “Eu declaro que a continuidade da presa em detenção masculina é uma transgressão aos seus direitos, segundo o artigo 8º (direito à privacidade) da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.”

Segundo o juiz, os primeiros passos para que a transferência da “mulher presa no corpo de um homem” seja feita já foram dados e o processo deve ser concluído em algumas semanas. Phillippa Kaufmann, que autou como testemunha na audiência, disse que a presa nasceu homem, mas tinha comportamento feminino reconhecido pela lei. Sua certidão de nascimento já foi até alterada para o sexo feminino. Os pelos do rosto e da perna da transexual foram removidos à laser e ela ainda passou por tratamento hormonal e cirurgias. Segundo Phillippa, ela foi proibida de usar saia, blusa e maquiagem na prisão masculina.

O Departamento de Justiça e as autoridades prisionais argumentavam que provavelmente ela não seria bem aceita pelas internas da prisão feminina e teria de ser isolada, o que causaria custos extras acima de £80 mil por ano. Ainda alegaram que a transferência para a prisão feminina causaria sérios impactos na saúde mental da transexual, dificultando o processo de redução de risco à sociedade e a possibilidade de reduzir a pena.

Marido desinformado

O ditado popular diz que o marido é sempre o último a saber sobre a traição da mulher. Não é difícil imaginar a sabedoria popular atualizada com a decisão do STJ e o sigilo da mudança de sexo e nome. Ou seja, o casamento com um transexual pode acontecer sem que o marido saiba da mudança. A saída para aquele que se sentiu lesado é pedir a anulação do casamento, revela Maria Berenice. “Basta declarar erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge”, diz.

Gladys defende que, apesar do sigilo ser sobre a alteração de seu registro civil em razão da troca cirúrgica de sexo, é feita uma “averbação à margem do registro no sentido de que a alteração foi feita por decisão judicial, não constando referência à alteração sexual, de tal modo a preservar o direito de terceiros”. Na prática, apesar de não conter a mudança de nome e gênero, é possível saber que houve alteração de registro.

Disponível em <http://www.conjur.com.br/2010-jun-26/transexual-registro-alterado-responde-mulher-civil-penal>. Acesso em 28 jul 2010.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Transexual consegue mudar o nome, mas não o sexo

Jomar Martins
15fevereiro2012

A 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou pedido de alteração de sexo no registro da nascimento de uma mulher que se sente homem, mas não fez a cirurgia de mudança de sexo. Os desembargadores, entretanto, permitiram a mudança de nome, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. A decisão é do dia 14 de dezembro. Cabe recurso.

A autora apelou ao Tribunal de Justiça porque perdeu, na primeira instância, a Ação de Retificação de Assento de Nascimento, não conseguindo mudar o nome e o sexo. Na Apelação, sustentou que tem transtorno de identidade de gênero, apesar de ter nascido mulher. Com o passar dos anos, disse que desenvolveu as características físicas aparentes de homem, com hábitos e postura características do sexo masculino. Afirmou que sofre constrangimento quando precisa se identificar em locais públicos, pois o documento atesta o sexo feminino, e a aparência física, o masculino.

A defesa juntou ao processo laudos psiquiátricos e psicológicos, bem como atestados e fotos, que comprovam sua participação no Programa de Atendimento a Portadores de Transtorno de Identidade de Gênero/Transexualismo (Protig). Por fim, informou que a autora já extraiu os órgãos reprodutivos femininos e que aguarda na fila de espera do Sistema Único de Saúde (SUS), num hospital de Porto Alegre, novas cirurgias para redesignação sexual.

O relator da Apelação, desembargador André Luiz Planella Villarinho, afirmou que a ausência de cirurgia de redesignação sexual não pode, por si só, servir de óbice à concessão do direito. Isso porque os autos trazem provas técnicas suficientes que justificam as alterações de nome e sexo da autora, comprovadamente transexual.

Segundo Villarinho, a adequação do seu registro, com a consequente alteração do nome e da identidade sexual, deve se dar em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, reconhecido na Constituição Federal vigente como um dos princípios fundamentais — artigo 1.º, inciso III. Afirmou que este princípio foi recepcionado no Código Civil em vigor, nos artigos 11 a 21, ao dispor sobre odDireito da personalidade, matéria que não era tratada no revogado Código Civil de 1916. "O direito da personalidade representa todos os direitos subjetivos da pessoa humana, todos os direitos de natureza civil que derivam da pessoa – da condição humana", completou.

Assim, o desembargador-relator deu provimento à Apelação, determinando a expedição de uma nova certidão de nascimento, sem que conste qualquer observação ou ressalva.

Divergências

O desembargador Jorge Luís Dall'Agnol reconheceu o estado de dor causado pela incongruência entre a identidade de gênero e o fenótipo físico, mas divergiu em parte do voto do relator. Só o acompanhou na alteração do nome da autora, por não ver como, juridicamente, proceder à transformação de sexo sem a intervenção cirúrgica.

"Destaco que a manutenção do sexo feminino no registro não causará situações vexatórias para a apelante, pois é fato notório que na Carteira de Identidade não consta a identificação do sexo e, na vida diária, na grande maioria das vezes, este é o documento comumente exigido", concluiu.

O terceiro desembargador a votar, Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, acompanhou Dall'Agnol. "Essa alteração somente será possível após a cirurgia. Quer queiramos, quer não, a pessoa ainda é morfologicamente do sexo feminino. Logo, a alteração do sexo implicaria descompasso entre a verdade registral e a verdade real", definiu.

Disponível em <http://www.conjur.com.br/2012-fev-15/transexual-mudar-nome-registro-nao-sexo>. Acesso em 16 fev 2012.