Mostrando postagens com marcador transexualidade. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador transexualidade. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Transexuais: políticas públicas para quem cara-pálida?


Artigo acadêmico de Glória W. de Oliveira Souza
Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana
outubro de 2015






quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

O corpo feminino transexual

Talmo Rangel Canella Filho; Maria Lucia Rocha-Coutinho
Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos)
Florianópolis, 2013


Resumo: A transexualidade surge da incompatibilidade entre a constituição corporal e a identidade sexual, esta sempre determinada por critérios anatômicos, onde o pênis ou a vagina determina a pessoa como sendo um homem ou uma mulher, não levando em consideração fatores como os genéticos, somáticos, psicológicos e sociais. Com a evolução da ciência, sobretudo no campo da cirurgia e da endocrinologia, tornou-se possível a mudança das características primárias (órgão genital externo) e das características secundárias (seios, voz, face...). Para se entender o processo de transição corporal entre os gêneros percorrido por pessoas transexuais, se faz necessário verificar o discurso acerca dos fatores que influenciam em cada intervenção corporal. Assim, o presente estudo tem como objetivo identificar quais são estes fatores e suas influências na transição. A transexualidade será apresentada a partir de suas diferenças em relação às outras categorias sexuais, bem como enquanto uma construção sócio-histórica-discursiva. Posteriormente, serão apresentados os possíveis significados dados ao corpo, apresentando-o também enquanto uma construção sóciohistórica-discursiva para, posteriormente, verificarmos as atuais possibilidades de intervenções corporais e seus efeitos. 



quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Certificações do sexo e gênero: a produção de verdade nos pedidos judiciais de requalificação civil de pessoas transexuais

Lucas Freire
Mediações, Londrina, v. 20. n. 1, jan/jun 2015

Resumo: Este artigo apresenta algumas reflexões sobre como distintos documentos são capazes de produzir, dar materialidade e estabilizar a realidade sobre o sexo e gênero de pessoas transexuais ao classificar indivíduos em determinadas categorias, atestar alguns aspectos da vida dos sujeitos, comprovar certas experiências e construir narrativas e trajetórias concisas. Além disso, a produção da verdade sobre o sexo e o gênero se dá em meio a disputas e apropriações de teorias formuladas em diversos campos do saber, que são fundamentais para o acesso ao direito de alteração de nome e/ou sexo no registro civil. Os dados aqui analisados são oriundos de uma etnografia realizada no Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos, da Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro. 



quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Bisturi não é varinha de condão

Após encontro de alguns leitores do blog Cantinho-da-Glória, estes resolveram entrevistar a criadora e administradora do blog, Glória W. de Oliveira Souza. O objetivo era saber sobre a criação da ferramenta, que está hospedada pelo Google e conhecer, um pouco mais, como pensa a autora que resolveu abordar um tema pouco difundido na internet.


Cantinho-da-Glória – Qual é a sua formação?

Glória W. de Oliveira Souza – No meu sort bio costumo apontar que sou Comunicóloga. Educadora. Jornalista. Consultora Empresarial. Designer de Vitrina. Visual Merchandiser. Artista Plástica. Crítica de Arte. Pesquisadora. Possuo graduação em Educação Artística (1978); Artes Plásticas (1979) e Jornalismo (1984). Mestrado em Comunicação Social (1999). Doutorado (incompleto) em Design e Arquitetura. Sócia-diretora da Canalw Difusão do Conhecimento. Responsável pelos blogs gwConsultoria e Cantinho-da-Gloria. Docente universitária e membro de organização nacional e internacional na área de comunicação social.

CG – Por que você resolveu criar o blog sobre a temática da transexualidade?

GS – A partir do momento em que percebi que o assunto não estava sendo devidamente explorado, principalmente pelas mídias tradicionais e digitais. Havia muitas informações difundidas de forma inadequada. Em vez de ajudar a esclarecer, confundia ainda mais os leitores.

CG – Você poderia dar um exemplo?

GS – Um assunto que ainda persiste, infelizmente, que é a confusão entre identidade de gênero e orientação sexual.

CG – Qual é a diferença?

GS – De maneira bem simplória, para melhor compreensão, diria que identidade de gênero é como a pessoa se identifica em relação do gênero, independente de sua constituição biológica. Admito a existência de três tipos de identidade de gênero (externalizável): feminina, masculina e androgênica. Já orientação sexual, que indica por quais gêneros ela sente-se atraída, seja física, romântica ou emocionalmente, e é internalizável. Pode ser assexual, bissexual, homossexual e heterossexual. Ao aprofundar no tema, produzi uma Grade Diagnóstica da Sexualidade (GDS), onde também identifico a categoria da corporeidade (referente a anatomia biológica) onde aparecem as figuras de fêmeas, machos e intersexos.

CG – E existe diferença entre travesti e transexual?

GS – De maneira bem simples diria que a travestilidade, geralmente, é representada por pessoas designadas homens no nascimento, mas que procuram a construção do feminino, através de suas vestimentas e pode incluir, ou não, também procedimentos estéticos e cirúrgicos. É raro, mas também existem travestis em pessoas designadas mulheres ao nascer. Já a transexualidade  diz respeito ao indivíduo que sofre com a sensação de desconforto ou impropriedade de seu próprio sexo biológico. Para tanto, faz uma transição para um gênero diferente ao do nascimento e, de formas diferentes, perseguem a cirurgia de transgenitalização, o que não ocorrem com as travestis. E, por isso, a população transexual conta com ações específicas promovidas por profissionais e gestores.

CG – Como assim?

GS – Os transexuais contam com o suporte do Conselho Federal de Medicina, que regulamentou a prática da cirurgia de transgenitalização. O Ministério da Saúde instituiu o processo transexualizador, que define regras para a mencionada cirurgia seja patrocinada pelo governo federal. E isso ocorre porque esses gestores compreendem a transexualidade como um fator de saúde, ou seja, precisa ser tratado para o bem estar da pessoa, conforme reza a Constituição e por ser admitida pela Organização Mundial de Saúde como doença. Eis um dos benefícios da patologização. É vista, pelos envolvidos, como tratamento preventivo (medicina preventiva) e não curativo (medicina curativa).

CG – E quanto transexuais existem no Brasil?

GS – Ninguém sabe ao certo. Há muitas especulações. Aliás, só especulações. Estimativa difundida mundo afora, e que são adotadas sem questionamentos, apontam números conflitantes, pois ninguém sabe como surgiram. São dados milagrosos e a ciência não trabalha com milagres. Então o que vemos são superlativos nos números, de acordo com o interesse de cada um. Estou concluindo um estudo que indicam existir no Brasil não mais do que cinco mil pessoas transexuais. Meu estudo abarca o período de 2000 a 2014.

CG – Como surgiu o blog? Já tinha alguma experiência no tema?

GS – Pesquisei muito rapidamente sobre a temática na rede e percebi que havia um vazio. Então decidi utilizar uma ferramenta de fácil acesso e que eu não interferisse no conteúdo com minhas observações pessoais. Seria tendenciosa. Escolhi então por difundir o assunto tão somente com as postagens que encontrava na internet fazendo republicação. A única mudança que me permiti foi fazer uma edição visual, adequando ao modelo sugerido pelo Google, mas sem alterar o conteúdo. O objetivo do blog é deixar que o leitor criasse sua própria opinião sobre a matéria postada, tanto é que as referências estão no fim de cada texto. Quanto a experiência, participei como autora com o capítulo “Um olhar de dentro: apontamentos iniciais acerca da transexualidade”, parte do livro “Minorias sexuais: direitos e preconceitos” (2012), organizado por Tereza Rodrigues Vieira. 

CG – E como foi a recepção ao blog?

GS – Não foi aquilo que eu desejava. O blog surgiu em setembro de 2011 e em setembro do ano passado, fiz um levantamento. Das quase 800 postagens, nesse período o acesso foi de um pouco mais de 26 mil no Brasil; quase 21 mil na Russia e 10 mil nos Estados Unidos. O acesso chegou mais via Facebook. A postagem mais vista não chegou a 500 acessos.

CG – Seria por causa da temática do blog?

GS – Não creio. O que se recomenda, nas redes digitais, é que se tente aproximar o máximo possível do público-alvo desejado. E a transexualidade é um nicho. Julgo que, apesar do assunto estar mais presente na mídia atualmente, o assunto não é tão atrativo e nem necessário para o dia-a-dia das pessoas.

CG – Não é necessário? Explica.

GS – Para as pessoas que não fazem parte deste universo, quer diretamente como os viventes; bem como os que têm relação indireta, como médicos, psicólogos, assistentes sociais e outras categorias profissionais, o assunto tem importância apenas enquanto informação. Mas nem mesmos os seres viventes do fenômeno se interessam em aprofundar o conhecimento sobre o tema. O foco deles têm sido outro.

CG – Quer dizer que os próprios transexuais não se interessam pelo assunto?

GS – Infelizmente sim. Para quê ler se as informações circulam mais rapidamente pela forma oral, redes sociais, encontros casuais. E o resultado disso (falta de interesse) é a disseminação de informações, muitas vezes, equivocadas, prevalecendo mais as versões do que os fatos. E não devemos nos esquecer de que a temática tem forte apelo emocional. Tanto é que é muito elevado o índice de automedicação, devido, principalmente de que sonhos e informações muitas vezes se conflitam. Então se acredita no primeiro milagreiro que promete corpo perfeito sem esforços e em pouco tempo. E aí o bicho pega...

CG – Explica melhor...

GS – Costumo dizer que tenho encontrado muitas pessoas que fazem parte desse universo e que se pautam pelos “três is”: ignorância informativa (que difere da comportamental); ingenuidade e inocência. Como é uma população muito carente, a necessidade de acreditar em sonhos é muito presente. Muitas delas procuram a cirurgia de transgenitalização por julgar que, após a feitura da mesma, a vida delas mudará radicalmente, quanto a aceitação da família, proposição de emprego, contração de matrimônio e dissipação todo e qualquer tipo de bullying social. Ledo engano. Tenho repetido para essas pessoas que bisturi não é varinha de condão.

CG – Como identificar quem é travesti ou transexual?

GS – Não é fácil e nem simples. No capítulo do livro que participei, digo que isso só será possível por intermédio dos microssinais e nanossinais, devido aos avançados estudos das neurociências, que vem abrindo caminho para melhor conhecer essa população. Swaab, em sua obra recente (2014), “We are our brains: a neurobiography of the brain, from the womb to Alzheimer’s”, aponta que a transexualidade ocorre no cérebro nos primeiros meses de gravidez, no útero. Portanto, a transexualidade é cerebral e não construção social, como muitos apregoam. Ninguém se torna transexual, nasce-se transexual.

CG – Quais são as carências desta população?

GS – De todo o tipo. As mais gritantes estão no campo familiar, escolar, social (incluindo aqui necessidade de renda), afetivo e, principalmente, na auto-compreensão do próprio fenômeno. A confusão que a sociedade faz na identificação e classificação do ser transexual também atingem aos próprios seres viventes. Tanto que é comum encontrarmos seres que desejam fazer mudanças corporais e buscar identificação com o gênero oposto ao biológico, mas fogem de terapias, que poderiam ajudar na compreensão da situação em que vivem. O comportamento pode demonstrar o medo da perda dos sonhos desejados e que talvez não seja tão verdadeiro.

CG – Por que isso ocorre?

GS – Primeiro vivemos numa “sociedade espermatozóica”, onde só têm valor quem é o primeiro ou o mais “saudável”. Este termo é usado como antônimo de doença. Transexualidade não é doença. Tanto é que, quando da descoberta e diagnóstico adequados, é fator de felicidade e não sofrimento. Mas faz parte do CID (Classificação Internacional de Doenças), instrumento da Organização Mundial da Saúde (OMS), no item F64-0. Também está no DSM (Manual de Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais), criado por psiquiatras norte-americanos e que é seguido como uma bíblia pelo resto do mundo. Tanto é que muitos dos profissionais que tratam do tema – inclusive no Brasil – usam o termo “transexualismo”, cujo sufixo, de origem grega, exprime a ideia de, dentre outros fenômenos, doença. É preciso, portanto, que todos que estejam envolvidos com esta população tenham um olhar mais atualizado. Isto não significa aceitar tudo e nem rejeitar tudo. É preciso mais aprofundamento.

CG – Como isso seria possível?

GS – Primeiro ver o fenômeno a partir da medicina holística, que é a abordagem de tratamento médico baseada na teoria de que os organismos vivos e o meio ambiente (não confundir com ecologia) funcionam juntos como um todo integrado, sob os aspectos físico, psicológico e social. A partir daí, somar-se ao que eu chamo de “duplo agá” (HH): humanismo holístico. O humanismo é uma filosofia moral que coloca os humanos como principais, numa escala de importância. Mas isso não ocorre na prática. Só vemos isso em discursos de quem detém o poder, qualquer que seja. Esse novo enfoque requer sensibilidade, desprendimento e estudo, assim seria possível ver “os olhos brilharem” dos transexuais quando abordarem suas próprias situações. Mas o que prevalece, hoje, são os medos e sonhos.

CG – Os profissionais envolvidos com essa população têm receio em buscar esse “novo olhar”?

GS – Eu trocaria a palavra ‘receio’ por desconhecimento. Adicionaria ainda o preconceito que vigora, infelizmente, em muitos desses profissionais que atuam junto a este público. O preconceito é velado, mas ele “grita silenciosamente”. André Oliveira, pesquisador sobre comportamento, diz que as pessoas, precisamente as urbanas, são conservadoras e liberais. São defensoras de valores superestabelecidos como a família, o casamento, a segurança e a carreira. Entretanto, por outro lado, querem testar coisas novas, e tem dificuldade em lidar com a homossexualidade, novas relações familiares e as drogas. Aliás, eu não gosto de utilizar o termo ‘preconceito’, prefiro definir este ato como “bullying dissimulado”, pois se trata de uma situação que se caracteriza por agressões intencionais, verbais ou físicas, feitas de maneira repetitiva, mas de forma sutil, quase imperceptível.

CG – Você pode falar um pouco mais sobre esse desconhecimento?

GSEm conversas informais com vários profissionais e estudantes de várias áreas, percebi que o tema da transexualidade sequer é mencionado em uma única aula. Isso é preocupante quando ocorre, principalmente, em cursos como medicina e psicologia. Estou formatando uma pesquisa para ver se isso se confirma. O resultado disso é o que ouvi, certa vez, de uma profissional de psicologia ao me dizer: ”se uma pessoa chega para mim e diz que é transexual, quem sou eu para dizer que não é”. Ela se esquece de que dentro desta população há pessoas com transtornos diversos – corrigíveis – projeções, traumas e outras manifestações que podem ser passageiras e não configurar, necessariamente, caso de transexualidade. Não se trata de rejeitar o sujeito auto-declarante, mas de permitir um diagnóstico minimamente técnico-científico.

CG – Mas esse conhecimento não passa por uma educação melhor?

GSMas educado todo mundo o é e o tempo todo. É que há certa confusão entre educação e escolarização. O pai que bate na mãe está educando o filho. Os que furam a fila de um banco estão educando os demais para a mesma prática ou coisa pior. A mãe que trai o marido ou esconde uma fruta na sacola dentro de um supermercado está educando os filhos sobre as mesmas práticas. Portanto, tudo é educável. O que se deve é melhorar as formas e formatos da escolarização (em todos os níveis) para torná-la atraente e dentro das necessidades dos aprendizes. Hoje a escolarização (do maternal a pós-graduação) é um martírio. Só há adesão devido a obrigação e imposição.

CG – Muitos transexuais, inclusive, abandonam os estudos devido ao preconceito, não?

GSPode ter sido. Hoje isso já não é mais desculpa. Qualquer pessoa pode continuar – ou iniciar – a escolarização de dentro de casa, em qualquer momento e qualquer nível escolar. Certa vez encontrei uma pessoa transexual que passava mais de cinco horas diárias na frente do Facebook e tinha abandonado os estudos devido ao que você disse. Então sugeri que ela reservasse meia hora por dia para qualquer tipo de curso. Resultado: ela deixou de conversar comigo, ficou com raiva. Então tenho minhas dúvidas quando identifico esses comportamentos vitimizados, tentando me fazer crer que todo o mal contra ela vem da sociedade.

CG – Acredita que uma campanha sobre isso não ajudaria, como fazem contra o preconceito?

GSDa maneira como é feita hoje, não, não acredito que ajuda a mudar nada. Só reforça o que existe. As campanhas, qualquer que seja o tema, precisam mudar de estratégia e técnica. Deixar de ser racionais na linguagem (quer textual, quer icônica) e partir para apelos emocionais. É isso que fazem a propaganda e publicidade de produtos. E dentro do foco pretendido. Se a necessidade é tratar sobre trabalho, não há porque o foco ser na sexualidade. O que é preciso é demonstrar a qualificação da população objeto da campanha. Costumo brincar que, para uma vaga de recepcionista, por exemplo, o que menos importa são as identificações sexuais (gênero ou orientação), mas sua qualificação para atender e receber. Ninguém irá pedir para levantar a saia ou abaixar as calças para decidir se aceitará ou não ser atendido por aquela pessoa. Aliás, termino o capítulo no livro que já mencionei que não há transexualidade abaixo da linha do umbigo. E sabe por quê? Porque está no cérebro.

CG – Qual é a sua análise sobre as políticas públicas para travestis e transexuais?

GSNão acredito que existam. O termo está sendo muito utilizado. Virou um mantra, principalmente por parte de gestores. Podemos entender a nomenclatura como uma espécie de planejamento por parte de um ente público. Mas como pode se planejar se não tem elementos concretos que possa alimentar esse plano? Um documento público da Prefeitura de São Paulo deixou isso em evidência. É uma pena. Planejamento sem elementos que alimentam os preceitos do plano, não é planejamento, é especulação. Não é de se espantar que os resultados sejam frustrantes. Para ambas as partes. Grosso modo, conforme Graças Rua, política pública envolve decisão sobre diversas ações estratégicas (planejamento racional – policy) e os atores receptores (público-alvo – politics). E a pergunta que fica é: como praticar políticas públicas sem conhecer o perfil e as necessidades do público-alvo? E por falar em público-alvo, a sua pergunta abarca duas populações distintas. Portanto, cada uma requer uma política própria.


CG – Pode dar detalhes?


GS – Sim, duas populações: a de travestis e a de transexuais. Cada uma requer um planejamento, diagnóstico e prognóstico próprios. São fenômenos diferentes, apesar das semelhanças. Um exemplo vivo foi a criação do Ambulatório para Travestis e Transexuais (ASITT) pelo governo do Estado de São Paulo junto ao CRT. Uma boa ideia mal aplicada. Em entrevista informal não gravada, um dos diretores me disse que o serviço foi parar lá no CRT porque foi rejeitado em outras oito unidades médicas do Estado. Teria dito o secretário da saúde da época (2009): “vocês já estão acostumados a lidar com uma população estigmatizada”. Com essa visão, o serviço foi implantado no local. Só que os profissionais daquela unidade têm suas expertises na área curativa (transexualidade requer atendimento preventivo) e são especialistas no atendimento aos portadores de HIV há mais de 30 anos. E agora? Resultado: visão distorcida do fenômeno (o protocolo de atendimento deixa isso evidente – portaria 1/2010); briga de poder entre os profissionais (“para mim, este ambulatório, em sua concepção, surge de fontes que, entre si, são antagônicas. Ele é o resultado do encontro de águas conflituosas”. As palavras estão em Guimarães A., Bagoas, n. 10, 2013), e inúmeros conflitos entre os usuários do ASITT e portadores de HIV, sem falar em uma crise sem precedentes, envolvendo pacientes e profissionais, ocorrida ano passado dentro do ASITT. Repito: uma boa ideia mal utilizada, devido a disputa de egos, briga por poder, interferência ideológica e escassez de mão-de-obra e material que compreendessem as premências desta população.

CG – Você disse que o Ministério da Saúde estabeleceu o processo transexualizador? O que é isso?

GS – Resumidamente é uma regulamentação feita pelo ministério a partir das resoluções do Conselho Federal de Medicina relativa ao atendimento, no nível do governo, sobre o tratamento ambulatorial e cirúrgico para a população transexual. A última regulamentação é de 2013 e trata do acompanhamento clínico (considerado de média complexidade), pré e pós-operatório (alta complexidade). O paciente precisa ter entre 21 e 75 anos e participar, por no mínimo, dois anos de acompanhamento antes da operação e um ano no pós-operatório. Esses atendimentos são feitos em unidades hospitalares nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Goiânia e em todos há equipe multiprofissional composto por médicos psiquiatra, endocrinologista, clínico, ginecologista obstetra, cirurgião plástico, urologista, além de psicólogo, assistente social e enfermeiro.

CG – Quais são os avanços em termos de legislação para esta população?

GS – Eu não tenho esses dados. Mas não creio que combates em relação ao bullying, criação de empregos, compreensão familiar, imposição de novos conhecimentos sejam efetivos por meio da legislação. O Brasil possui mais de 180 mil leis – o que dá uma média de 18 leis por dia – muito das quais obsoletas, inaplicáveis, irreais, inúteis e inconstitucionais. Uma sociedade não se muda por decreto, mas por reeducação social e disponibilidade de escolarização.

CG – Para finalizar...

GS – Agradecer a oportunidade da conversa e esperando que, a partir deste bate-papo, o blog possa contribuir mais para a difusão do conhecimento desta temática, que faz parte de todas as sociedades. 

sábado, 14 de março de 2015

Transexualidade: as consequências do preconceito escolar para a vida profissional

Heloisa Aparecida de Souza; Marcia Hespanhol Bernardo
Bagoas - n.º 11 - 2014 


Resumo: Nesse artigo, discute-se a relação entre os problemas encontrados no ambiente escolar e a dificuldade para a colocação profissional de mulheres transexuais. A partir do enfoque da Psicologia Social, adotou-se como metodologia a proposição do “Campotema” que permite maior compreensão do assunto estudado, acessando-o nos mais diversos espaços em que se manifeste. Os resultados indicam que a falta de aceitação e o preconceito no ambiente escolar geram obstáculos para o bom aproveitamento da educação formal e alto índice de evasão escolar entre as transexuais. A baixa escolaridade decorrente desse contexto soma-se aos estigmas e à vulnerabilidade social dessa população, tendo como consequência uma grande dificuldade para inserção no mercado de trabalho formal, especialmente, em cargos que exigem maior qualificação. 





terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Do reconhecimento dos direitos dos transexuais como um dos direitos da personalidade

Valéria Silva Galdino Cardin; Fernanda Moreira Benvenuto
Revista Jurídica Cesumar - Mestrado, v. 13, n. 1, p. 113-130, jan./jun. 2013


Resumo: Nesta pesquisa analisa-se a transexualidade, que consiste em uma disforia de gênero. O transexual é caracterizado pelo desejo de readequar o seu sexo anatômico em conformidade com o seu sexo psicossocial. Os princípios da dignidade da pessoa humana, da autonomia da vontade, da igualdade e da liberdade é que fundamentam o livre exercício da identidade de gênero do indivíduo transexual que não se enquadra no padrão social heteronormativo e a readequação sexual deste, garantindo seu reconhecimento e sua inclusão na sociedade como meio de efetivação dos direitos e garantias individuais. Desta forma, os direitos da personalidade do transexual são infringidos quando da negativa da readequação sexual e da mudança do nome e da identidade sexual no registro civil. Conclui-se que a efetivação dos direitos da personalidade dos transexuais só ocorrerá quando houver uma regulamentação que venha tutelar as consequências da readequação sexual deles, permitindo, assim, um tratamento igualitário, vedando quaisquer
formas de discriminação e vitimização e um reconhecimento pelas instituições sociais.



quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Variações do feminino: circuitos do universo trans na Paraíba

Silvana de Souza Nascimento
Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2014, v. 57 nº 2.


Resumo: Neste artigo, apresentamos resultados de uma pesquisa etnográfica, realizada entre 2008 e 2011, a respeito de trajetórias e sociabilidades de travestis, transexuais e transformistas na Paraíba. A investigação analisou circuitos que perpassam municípios em diferentes escalas, inclusive áreas rurais e indígenas, que se interconectam e criam rupturas: o da prostituição, o dos concursos de beleza (Miss Gay e Top Drag Queen) e o dos movimentos LBGTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). Os concursos de beleza e as redes de prostituição conformam um conjunto que dá visibilidade a corpos e pessoas que realizam um jogo mimético com o feminino, onde a participação do público é essencial. Constroem-se modelos de beleza que se projetam em estilos metropolitanos e revelam uma feminilidade versátil, complementar à homossexualidade. Em contrapartida, as(os) atoras(os) do movimento LGBT procuram reagir a esses modelos de beleza mas acionam os circuitos dos concursos em ocasiões estratégicas, como as paradas gays, que têm se irradiado para o interior da Paraíba, da cidade para o campo.



sábado, 6 de dezembro de 2014

Reflexões acerca do transtorno de identidade de gênero frente aos serviços de saúde: revisão bibliográfica

Fernanda Resende Maksoud; Xisto Sena Passos; Renata Fabiana Pegoraro
Revista Psicologia e Saúde, v. 6, n. 2, jul. /dez. 2014, p. 47-55


Resumo: O objeto do estudo é o transtorno de identidade de gênero relacionado ao diagnóstico, aos serviços de saúde, abordando também a visão dos profissionais de saúde. Trata-se de uma pesquisa descritivo-exploratória, com abordagem qualitativa através da revisão bibliográfica de artigos nacionais identificados por meio de buscas efetuadas nas bases LILACS e Scielo. Os estudos sobre transexualidade referidos aos serviços de saúde e profissionais sugerem que o assunto ainda é alvo de muito preconceito e que já existem serviços de saúde especializados a fim de diagnosticar e tratar esses pacientes. A análise dos estudos permite concluir que a transexualidade ainda é tratada com desconhecimento por alguns profissionais de saúde, uma vez que os transexuais devem ser acolhidos e tratados com respeito e valorização de sua diversidade.



sábado, 8 de novembro de 2014

Transexualidade: entre os discursos jurídico e médico

Ábiner Augusto Mendes Gonçalves
Revista PADÊ -  v. 1, n. 1 (2006)


Resumo: O estudo das questões da transexualidade se justifica devido a carência de mecanismos legítimos que regulamentem a cirurgia de mudança de sexo, sendo necessário preencher essa lacuna legislativa para se oportunizar direitos negados a esta parcela da população, permitindo um acesso mais fácil à saúde, ao mercado de trabalho e à cidadania plena. É através do discurso jurídico do silenciamento e do discurso clínico (realizado sobre os corpos), que a divisão binária masculino/feminino da sociedade segundo o sexo torna-se evidência e a construção desta divisão biológica, enquanto valor distintivo, não é questionada, já que natural. Desta maneira, o binômio sexo/gênero se traduz de maneira implícita e natural em uma sexualidade cuja capacidade para a reprodução desenha os contornos e as funções sociais de um corpo sexuado e instala, então, a imagem da verdadeira mulher e do verdadeiro homem, lócus e estratégia do poder social sobre mulheres, homossexuais e transexuais.



sábado, 16 de agosto de 2014

Modelo transexual está na disputa pelo título de Miss Inglaterra

Extra Online
14/01/12 

Jackie Green se tornou a mais jovem transexual inglesa após fazer uma operação de mudança de sexo na Tailândia em seu aniversário de 16 anos.

Agora, aos 18, Jackie foi convidada por olheiros que não sabiam de sua história a participar do Miss Inglaterra, noticiou o site do The Sun. A aspirante a modelo quer usar a oportunidade para falar sobre bullying e transexualidade.

"Fiquei impressionada quando os olheiros me chamaram. O Miss Inglaterra é um concurso de muito prestígio. Eu adoraria ganhar. Eu tenho tanta chance quanto qualquer outra mulher", disse Jackie.

O desejo de Jackie de trocar de sexo vem desde os 4 anos de idade. Aos 10 anos, ela já tinha cabelos longos e usava uniformes femininos para ir à escola.

Aos 12, sua mãe, Susie, levou a menina a uma clínica nos Estados Unidos para que começasse a tomar hormônios e interrompesse a puberdade. O próximo passo foi fazer uma segunda hipoteca da casa para pagar a mudança de sexo, que custou cerca de R$ 75 mil. Por causa de bullying, Jackie chegou a tentar o suicídio cinco vezes.

"Eu tenho que agradecer a minha mãe. Ela salvou minha vida", declarou.

Jackie está em uma rodada preliminar do concurso, onde o público decide quais candidatas disputarão a semifinal.


Disponível em http://extra.globo.com/noticias/mundo/modelo-transexual-esta-na-disputa-pelo-titulo-de-miss-inglaterra-3670400.html. Acesso em 31 jul 2014.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Um elogio a Lea T. ou, como reproduzir normas

Alex Mateus Santos de Oliveira
Faculdade de Artes Visuais - FAV/UFG
Anais do VI Seminário Nacional de Pesquisa em Arte e Cultura Visual
Goiânia-GO: UFG, FAV, 2013

Resumo: Este artigo é uma reflexão sobre como identidades sexuais estão condicionadas/educadas para desempenharem papéis complexos, próprios da concepção de sujeito modernista. Toma como referência o depoimento da modelo transexual feminina Lea T. feito a um programa televisivo. A intenção é menos entender a transexualidade, mas, percebê-la como mote para refletir sobre estruturas sociais que relutam em reconhecer as possibilidades identitárias sexuais em um contexto contraditório que ora normaliza, ora pode desestabilizar. Tal desestabilização pode gerar alternativas de reconhecimento de novas identidades através de práticas educativas sob a perspectiva da cultura visual.





quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Sãosimonense muda de sexo e dá exemplo de superação

Regis Martins
 21/12/2013 

Léo Moreira Sá nasceu com o nome de batismo de Lourdes Helena, na cidade de São Simão, onde, pelo menos, até os 7 anos de idade, teve uma infância feliz. Caçula de uma família de nove irmãos, foi criado(a) por uma mãe carinhosa e um pai rigoroso, mas responsável.

“São Simão era e, acredito que seja até hoje, uma cidade pacata e muito quente, e eu vivia de shorts sem camiseta, correndo pelo mato, pelas ruas, brincando com os moleques de bola, de pipa, de pega-pega”, conta.

A então menina Lourdes também passava as férias em Ribeirão Preto, na casa da avó Noêmia, que fazia lindas colchas de crochê, deliciosas compotas de frutas e um licor de jabuticaba fantástico. “Ribeirão era a cidade grande que me fascinava. Preparou-me para conhecer a metrópole dos meus sonhos, São Paulo. Tenho muitas saudades desse tempo”, conta.

Mas, logo em seguida, a pequena Lourdes se deu conta de que a natureza também prega peças. “Meus problemas começaram quando eu tive que ir pra escola de uniforme feminino. Aquela criança feliz se transformou em um infeliz garoto de saias”, lembra.

Traumas

Antes de se mudar de São Simão para São Bernardo do Campo, Lourdes - ou Lou, como era chamada pela família - sofreria abusos que a traumatizariam.

Tempos depois, envolvida com movimentos sociais e trabalhistas no ABC, decidiu estudar ciências sociais na USP. Nesta mesma época conheceu as amigas da banda Mercenárias, uma das mais originais do underground paulistano. Ouviu o grupo no lendário bar Napalm, quando o multi-instrumentista Edgard Scandurra [guitarrista do Ira!] ainda tocava bateria - dali alguns meses o substituiria nas baquetas.

“Aprendi a tocar bateria ouvindo uma fita cassete de um show das Mercenárias com o Edgar. Acho que as minhas dificuldades criaram um estilo esquisito, que, no diálogo com o baixo pesado da Sandra [Coutinho], marcaram o som da banda de forma única”, lembra.

Estrearam no mercado fonográfico em 1985 com “Cadê as Armas” e em 1987 lançaram “Trashland”. Longe das rádios comerciais, a banda acabaria no final da década de 1980.

Foi quando Lou se envolveu na cena clubber paulistana e também com drogas pesadas. Abriu um café e logo em seguida uma casa noturna, Circus, que teve um sucesso fulminante, mas faliu. “Eu já estava cheirando toda a cocaína possível quando conheci a [travesti] Gabi. A partir daí pareciam que as festas não acabavam nunca mais. Durou de 1995 a 2004”, conta.

‘Tive muito tempo para refletir’

Preso em 2004 por tráfico, Lou sairia da cadeia cinco anos depois. “Na prisão tive muito tempo pra refletir sobre o caminho que eu havia tomado. E paradoxalmente foi naquele universo inóspito que eu me senti livre pra assumir a minha transexualidade”, diz.

Quando saiu, entrou em um programa da prefeitura de São Paulo que oferecia um salário mínimo pra pessoas LGTBs se qualificarem. Fez uma oficina de teatro e acabou na companhia Os Satyros. Lá, se tornou técnico de iluminação.

Em seguida, trabalhou nas peças “Hipóteses para o amor e a verdade” e “Cabaret Stravaganza”, que venceu prêmio Shell 2012 de melhor iluminação. Com o dinheiro do prêmio, fez sua primeira mastectomia - cirurgia que retira as glândulas mamárias e dá a formatação do tórax masculino. Léo assumiria o lugar de Lou definitivamente.

Vida de transexual vira peça teatral

A história do sãosimonense ganhou os palcos de São Paulo com a peça “Lou &Leo”, dirigida por Nelson Baskerville e com ele no papel principal.

“A peça nasceu da necessidade de contar minha história, com o objetivo de trazer para o debate público a questão da transexualidade, como dissidência de uma cultura que marginaliza todas as expressões que não se encaixam nas normas de gênero”, afirma o ator/iluminador, que sonha em trazer o espetáculo para a região onde nasceu. “Seria uma emoção estonteante falar sobre a minha história onde tudo começou. Infelizmente, não vou a São Simão ou Ribeirão há mais de 20 anos. A vida em São Paulo é muito intensa”, afirma.


Disponível em http://www.jornalacidade.com.br/lazerecultura/NOT,2,2,911015,Saosimonense+muda+de+sexo+e+da+exemplo+de+superacao.aspx. Acesso em 26 fev 2014.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

A tutela jurídica da pessoa transexual

Marina Carneiro Leão de Camargo

Resumo: O presente trabalho analisa o fenômeno da transexualidade frente ao Direito, com base no princípio da dignidade da pessoa humana, que, por força da Constituição Federal de 1988, ilumina todo o ordenamento jurídico. Para tanto, traz uma reflexão acerca das categorias de gênero e sexo no que se refere à construção de corpos femininos e masculinos através dos discursos. A partir disso, situa-se a experiência transexual no processo por meio do qual são prescritos comportamentos aos indivíduos e naturalizadas as diferenças entre os corpos sexuados. Aborda-se, por fim, a tutela jurídica da pessoa transexual, através da legalização das cirurgias de transgenitalização e da possibilidade de alteração do registro civil no tocante ao prenome e ao sexo, em virtude da identidade de gênero, tendo por fundamento os direitos da personalidade e os direitos fundamentais.



quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Uma análise legal e jurisprudencial acerta da alteração do registro civil do transexual no Brasil

Alana Lima de Oliveira; Camilla Guedes Pereira Pitanga Santos
RIDB, Ano 3 (2014), nº 1

Resumo: O presente artigo tem por objetivo discutir o direito à alteração da identificação civil do transexual. Para tanto, apresenta-se, inicialmente, uma sucinta abordagem sobre a definição da transexualidade no Brasil, para em seguida destacar os aspectos das subjetividades trans, seus efeitos legais e jurídicos no que toca à mudança dos designativos de sexo e nome do registro civil e suas repercussões na jurisprudência brasileira.



quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Aspectos bioéticos da cirurgia de redesignação sexual sob a ótica da realização do direito fundamental à saúde

Maria Claudia Crespo Brauner; Laíse Graff
Direitos Fundamentais & Justiça
Ano 6, Nº 18, jan/mar. 2012

Resumo: Este estudo introduz alguns aspectos bioéticos da cirurgia de redesignação sexual destinada ao tratamento às pessoas transexuais, sob a ótica da concretização do direito fundamental à saúde. O sofrimento psíquico vivenciado pelos transexuais decorre especialmente do conflito entre suas características anatômicas e sua identidade sexual. Considerando a transexualidade como um transtorno capaz de gerar significativo sofrimento, cabe questionar sobre as formas e os limites da intervenção médica para seu tratamento, em especial a cirurgia de reatribuição sexual, tomando como base princípios e conceitos oferecidos pela Bioética. Estando reconhecida como doença diagnosticável e passível de tratamento, trata-se sobre a disponibilização de tratamento aos transexuais como forma de realização do direito à saúde.



quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Proibida de jogar em equipe feminina, transexual luta para mudar as regras

Fábio Lima
21/01/2014

A identidade, o passaporte e a carteira de motorista da transexual Aeris Houlihan, de 32 anos, atestam que ela é uma mulher. Os níveis hormonais também são comprovadamente idênticos aos de uma pessoa do sexo feminino. Entretanto, mesmo diante de tantas provas, para a Federação Inglesa (FA) ela só pode praticar futebol em ligas oficiais ao lado de homens. A jogadora vem lutando por uma liberação para defender a equipe feminina Middleton Park Ladies, mas está esbarrando em uma legislação que os próprios dirigentes já reconheceram estar ultrapassada.

Aeris faz terapia de reposição hormonal há nove meses e entrou em contato com a FA em junho do ano passado portando os atestados médicos pedindo a permissão para defender o time amador da cidade de Leeds, no norte do país. A federação ignorou por longos meses o caso e as constantes buscas de Houlihan por uma resposta. Quando a instituição finalmente se manifestou, a decisão não foi nada animadora.

- A FA diz que, para uma garota transexual jogar futebol na liga feminina deles, ela tem que fazer a cirurgia de redesignação sexual e esperar dois anos após a operação - disse, em entrevista por e-mail ao GloboEsporte.com.

A jogadora pretende fazer a cirurgia em março deste ano e, de acordo com as normas vigentes, só poderá jogar em meados de 2016. Para tentar mudar o panorama e chamar a atenção da Federação Inglesa, ela resolveu tornar o caso público, e o drama acabou ficando conhecido internacionalmente. Aeris convive com a esperança de que as regras mudem e, enquanto isso, segue realizando atividades não oficiais com o Middleton Park.

- Eu ainda treino com minha equipe, e meu técnico pergunta aos outros times se eles permitem que eu jogue partidas amistosas contra eles, e todos dizem que posso jogar. Ouvi que a FA está para anunciar um novo processo de mudança nos próximos dois meses, o que é algo positivo da parte deles.

O gosto pelo futebol não é uma novidade na vida de Houlihan, que praticava o esporte com homens normalmente até que os efeitos das mudanças hormonais começaram a atrapalhar seu desempenho. Ela percebeu que era hora de, literalmente, mudar de lado.

- Antes do tratamento hormonal para virar mulher eu joguei contra homens. Era normal, já que eu era tão forte quanto um homem na época, pois eu tinha testosterona. Contudo, após quatro meses de tratamento, minha força diminuiu e me machucava jogando contra homens. Decidi que era hora de entrar em um time de futebol feminino.

A decisão de se tornar uma mulher foi um processo longo e difícil, mesmo Aeris sabendo desde cedo qual caminho gostaria de seguir. Apenas aos 30 anos de idade ela resolveu procurar um especialista.

- Quando eu era muito jovem sabia que queria ser uma menina e lutei muito para suprimir meus sentimentos. Há dois anos decidi que já era o bastante, visitei meu médico e disse a ele que gostaria de me tornar uma mulher. Após vários exames, eles me diagnosticaram com disfonia de gênero (transexualidade). Tenho feito tratamento hormonal e bloqueio de testosterona há nove meses e estou muito feliz com meu progresso.

Aeris também trabalha com música e relatou a experiência da terapia hormonal em uma canção intitulada "Sleepless Nights" (Noites sem dormir). A saga para tentar jogar futebol feminino também deverá ganhar uma versão musical.

- Acho que será minha próxima música. Algumas pessoas usam um diário para capturar seus sentimentos em um momento específico de suas vidas. Quando ouço uma música que escrevi, me lembro em cores o que senti naquele momento. Também me ajuda a tirar as coisas de meu peito. Quando escrevo uma canção, é como se estivesse conversando com um conselheiro.


Disponível em http://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/futebol-ingles/noticia/2014/01/proibida-de-jogar-em-equipe-feminina-transexual-luta-para-mudar-regras.html. Acesso em 21 jan 2014.

domingo, 19 de janeiro de 2014

'Sempre me senti mulher', diz transexual que quer mudar certidão

Rayssa Natani
29/11/2013

Quem vê a acreana Anahí Rodrigues segura e bem resolvida aos 19 anos não imagina os obstáculos enfrentados por ela para se sentir feliz e satisfeita com a imagem no espelho. Não se trata dos dramas vividos por muitas mulheres em busca de uma boa aparência, ou de pequenos detalhes no visual que causam insatisfação, trata-se de não se reconhecer no próprio corpo e decidir encarar a transexualidade.

“Ninguém quer ser trans. Vida de trans não é fácil. E a transformação é um risco. Você não sabe se vai ficar bonita, se vai dar certo, nem se vai ser aceita”, diz. A decisão de assumir a identidade feminina, tomada há pouco mais de um ano, significou para ela aprender a lidar com o preconceito e envolve um processo longo de mudanças físicas e acompanhamento psicológico.

“Não é o que você tem entre as pernas que conta"
Anahí Rodrigues

Em busca de uma nova vida como mulher, ela mudou-se em 2012 para São Paulo, onde trabalha como modelo. Na bagagem, levou poucos pertences. “A intenção era recomeçar como Anahi, onde ninguém me conhecesse como homem e, ao mesmo tempo, buscar oportunidades em um lugar onde viver como trans é mais comum e aceitável pela sociedade”, afirma.

Há dois meses, ela entrou em uma briga judicial para alterar o nome e o sexo na certidão, mas sabe que a luta será longa. Entre os vários documentos necessários para juntar ao processo, ela conseguiu o laudo de transexualidade, expedido por um psicólogo. Sem querer comentar sobre uma possível cirurgia de mudança de sexo, Anahí, que também não gosta de falar do passado, ou do nome que ainda consta na certidão, diz que o órgão sexual é o que menos importa.

“Não é o que você tem entre as pernas que conta. Para obter o laudo de trans, o que importou foi a minha rotina. E eu levo uma vida de mulher e sempre me senti uma. Tem trans que não tem uma aparência feminina, mas a cabeça é de mulher e a sociedade não entende isso. Chama de traveco, faz piada, mas não sabe como a pessoa sofre”, comenta.

Infância conturbada

E o sofrimento, segundo Anahi, começa muito cedo.  “Desde os 4 anos eu já sabia que queria ser mulher. Eu me olhava no espelho e via um órgão ali que não combinava com a minha mente. Eu ficava bem confusa”, conta. Já nesta idade, ela dava os primeiros sinais à mãe de que era diferente. “Eu dizia para minha mãe que queria brincar de boneca e usar as roupas e maquiagens dela. Ela brigava comigo. Quando ela saía, eu pegava e usava escondida”, lembra.

Aos 8 anos, ela conta que tomou anticoncepcional na esperança de se transformar em uma menina. “Ouvi falar sobre hormônio feminino na escola a primeira vez. Pensei ‘se isso é hormônio feminino e eu tenho o masculino no meu corpo, então se eu tomar, vai mudar alguma coisa’", relembra.

As lembranças da crise de identidade na infância são muito nítidas. Sentimentos que a jovem reprimiu por muitos anos para não contrariar a mãe, com quem morava. “Meu pai foi embora quando eu era muito novinha e não participou disso. Mas, com medo da reação da minha mãe, me negava a ser o que era. Tentei até namorar uma menina, aos 12 anos, mas nunca senti atração por mulheres”, confessa.

Aceitação

Aos 13, Anahí criou coragem de conversar com a mãe, Tiana Rodrigues, primeiramente sobre a sexualidade. "A reação foi boa, diferente da maioria dos pais. Ela disse que já sabia. Que toda mãe conhece seu filho. Por mais discreta que ela seja", conta.

Tiana confirma. "Eu já sabia, com certeza, desde criança. Toda mãe sabe. Só tem mãe que não quer aceitar", pontua. Ela relembra, com bom humor, situações inusitadas da infância da filha. "Comprava um carrinho, ela chorava e quebrava. Dava uma Barbie 'ai, que felicidade'. Cortava o cabelo curtinho, ela queria arrancar a própria cabeça", brinca.

Mas, a príncipio, Tiana confessa que não foi fácil encarar a realidade. "Eu não queria que ela se vestisse de mulher. Eu acho que até para arrumar um trabalho fica difícil. Eu pensei no que ela poderia sofrer. Preconceito, constrangimentos, pensei no que as pessoas iriam dizer. Mas tem que aceitar. Fazer o que?", admite.

Processo de mudança

Depois de conversar com a mãe, Anahí se sentiu mais segura. No mesmo ano, foi à primeira parada gay em Rio Branco vestida de mulher. "Me achei meio caricata na primeira vez. Mas depois disso, não parei mais. Fui me vestindo assim em um lugar e outro, no carnaval, participava de concurso de beleza e sempre ganhei o primeiro lugar em todos", conta.

Aos 17 anos começou a tomar hormônio feminino regularmente. Ainda este ano, colocou prótese de silicone e fez plástica no nariz, acreditando que deixaria o rosto mais delicado. O resultado disso é uma imagem de mulher perfeitamente condizente com a cabeça de Anahí. "Meu jeito sempre foi de menina, e mesmo antes de qualquer transformação, muitas pessoas já se confundiam", diz.

Anahí confessa que na balada os homens nunca desconfiam que ela seja trans. "E eu também não conto. Mas já tive experiência de ficar e depois o cara saber e querer me agredir. Como também já aconteceu de ficar, ele descobrir, me agredir, depois voltar atrás e querer ficar comigo me aceitando como sou. Foi o caso do meu último relacionamento", admite.

Preconceito

O processo de transição e aceitação própria foi a fase mais difícil para a jovem. Segundo ela, o preconceito ainda existe. "Eu acho que quando eu estava na fase de transição eu sentia mais o preconceito. Passei por alguns constrangimentos, mas aprendi a lidar com eles. Hoje em dia eu já levo uma vida de mulher", afirma.

Ainda assim, ela conclui que tudo valeu a pena. "Cada pessoa tem que buscar sua felicidade independente do que os outros vão pensar. Antes eu não me sentia feliz do jeito que eu queria. Depois que eu assumi minha identidade feminina, posso dizer que sou uma pessoa realizada porque é tudo que eu sempre quis desde criança", finaliza.


Disponível em http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2013/11/sempre-me-senti-mulher-diz-transexual-que-quer-mudar-certidao.html. Acesso em 16 jan 2014.